quarta-feira, 28 de abril de 2010

Alice- (quase) no ciberespaço

para Bruno e Júlia Era abril de 2010.Um vulcão na Islândia, chamado Eyjafjallajokull, resolve cuspir as entranhas da terra e, junto às lavas e fumaça, uma personagem de um mundo maravilhoso rola entre o fogo e o gelo do lugar. É Alice. Sacudindo as cinzas que grudavam em seu corpo e tossindo uma fumaça avermelhada se encontra, entre surpresa e assustada, com a Tartaruga Fingida e diz: -Onde estou? Me diga que lugar é este? -Você acaba de chegar num lugar onde as coisas andam muito depressa, quase à velocidade da luz...quase como: você pensou... aconteceu! -Ah! Grossa mentira. Você que é muito lerdinha, então qualquer passo deve ser para você uma maratona, qualquer hora uma eternidade! Enquanto a Tartaruga pensava para responder Alice correu atrás do Coelho Branco (agora cinza depois do acontecido) chegando logo num aeroporto enorme com grandes pássaros voadores pousados enfileirados no chão. -Vamos, quero entrar rápido neles e voar até o outro lado do mundo! diz Alice. -Para onde você quer ir? - Para qualquer lugar. -Impossível ir para qualquer lugar. -Então quero ir para lugar nenhum. -Se não há lugar algum, melhor ir para qualquer lugar. Mas...não foi, não fomos! A Rainha de Copas gritava em altos brados sacudindo o microfone do aeroporto: -Cortem todos os voos! Cortem todos os voos!O céu está negro de cinzas vulcânicas...ninguém pode voar! Cortem todos os voos! Alguém pega na mão de Alice e a leva para próximo dos computadores instalados no aeroporto. É o Chapeleiro Maluco, estudioso da linguagem computacional e tecelão de chapéus, nas horas vagas, para os mouses dos computadores – quase perdendo o ofício agora com os computadores sem fio. Mas afinal, dizia, o chapéu pode-se colocá-lo em qualquer lugar, menos numa mula sem cabeça. Alice está pronta para uma viagem via internet navegando sob as instruções do Chapeleiro quando a luz do aeroporto é cortada por algum fenômeno meteorológico e a luz se apaga. Ou terá sido a Rainha de Copas que ordenou:- cortem as luzes...cortem as luzes!? Fato é que o breu era total.Até mesmo o “olho vivo” do Rei de Copas que vigiava o movimento das pessoas com o pretexto de dar segurança e, que se espalhava pelo aeroporto e pela cidade,parecia agora que piscava ...meio “olho morto”. -Depressa, vamos usar o celular para dar notícia para o Gato Risonho, correu o Chapeleiro.Mas, antes mesmo de discar, o celular pifou. Bateria, disse desolado. Sem comunicação! -Para onde você foi? -Para lugar nenhum. -Impossível ir a lugar nenhum! -Então fiquei no mesmo lugar...só que diferente! E fiquei, e ficamos. Alice então pega um livro e começa a ler, pega uma caneta e começa a escrever, desenha pássaros e voa, costura asas e plaina, borda sorrisos e ama. Esta é a sua viagem! Enquanto isto, a Tartaruga passa fingindo nada saber... Márcia Sartorelo Carneiro.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Irresistível Rosalva

Irresistível Rosalva Hoje acordei dia nascendo claro, peguei minha bicicleta com meus apetrechos de amolar facas, alicates e afins e fui zunindo, apertando a cintura do vento que teimava em levantar a poeira do caminho, rumo ao povoado de Tapipó, na beira do rio Pongó. Cheguei cedo. O sino da igreja chamava para a missa das sete e as carolas se aglomeravam na escadaria do adro. Enquanto isto, o bonitão do Eufrásio, assim era conhecido no lugar, abria a padaria com cheiro de café quente e pão fresquinho, depois de uma noite bem dormida com a dama da noite que morava em seu quintal. Aproximei-me para forrar a barriga que roncava e saber das novidades acontecidas. Foi quando fiquei sabendo pelo Eufrásio que padre Nonato, com sua fama de pastor de ovelhas de Tapipó estava criando o maior desarranjo porque queria botar pra fora da cidade a Rosalva , mulher da vida, como se dizia e também o Sansão, vira lata que gostava de se esfregar nas pernas da beata D. Maroca e não a deixava em paz. Essa vida sexual intensa e desregrada, de Rosalva e Sansão é coisa do diabo, depõe contra a moral e os bons costumes de tão ordeiro povoado, me disse o Eufrásio, repetindo as palavras do padre, não sem antes ajeitar os cabelos e o bigode num espelho velho pendurado na caixa registradora. _ Mas e o povo, o que tá achando disto? _ Tá o maior quiproquó, homem.Vão se reunir na igreja depois da missa das sete pra conversar. Enquanto escutava o bonitão vi passar na frente do bar a Rosalva, vestindo seu melhor decote, seguida pelo professor Anísio com seus óculos e chapéu coco e o Bate-pau, homem de vida desregrada que vivia por conta da bebida e de mulheres acompanhados de perto pelo Sansão que sacudia o rabo e abanava a orelha a cada passada indo em direção à Igreja. Curiosos, Eufrásio e eu, corremos atrás do cortejo. Igreja lotada. Burburinho total. Todos falavam ao mesmo tempo, argumentando, criticando, botando lenha na fogueira, ironizando. Silêncio. Ordem no recinto. O padre ao microfone puxou o terço dos argumentos bíblicos contra a depravação sexual dos acusados exigindo a retirada dos pecadores não arrependidos da cidade. É o diabo, gritava, se juntando às palmas entusiasmadas, gritinhos histéricos das carolas e anuências cínicas dos homens de bem. O professor Anísio pediu a palavra e desfilou eloquência citando desde o Banquete, de Platão até a psicanálise, de Freud para finalmente chegar à declaração dos direitos humanos e aos seus artigos contra qualquer discriminação. É crime, dizia, enquanto era ovacionado pelos cidadãos mais progressistas do povoado. Rosalva olhava assustada sem perder sua altivez enquanto Sansão fazia um xixi aqui outro acolá farejando as pernas de D. Maroca que se retorcia de aflição. E foi quando o Bate-pau pediu a palavra e começou tropegamente a falar, desafiar e desfiar causos libidinosos referentes aos senhores de bem e às carolas, pois disto ele tinha conhecimento, que eu encontrei os olhos de Rosalva já cansada de tanto palavrório. A um sinal meu correu para fora da igreja e na garupa de minha bicicleta seguiu comigo para exercer seu ofício longe dos maus dizeres alheios. Seguindo o rastro da bicicleta Sansão rolava na poeira latindo para as pernas das moças do lugar. Rosalva depois me contou que enquanto o palavrório corria solto ela só pensava em quem aquela noite acolheria seu desejo de mulher. Márcia Sartorelo Carneiro.

sábado, 17 de abril de 2010

Natureza desviante

Uma pomba numa praça, Uma asa arrasta. Sobre duas patas Asa bordada de fita enrolada Faz sua caminhada. O carro desvia Os passantes olham. Carrega determinada Sua asa enfaixada. Perco-a de vista, Para encontrá-la mais adiante Caminhante, Sua condição agora andante, Sua natureza desviante. Pomba humanizada, Por uma fita colante. Chocante! Não voa mais.

domingo, 11 de abril de 2010

É isso aí!!

Descobrir... descobrir... até encontrar nada e começar a inventar.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Ovos e pepino

Era feriado destes prolongados.Bh vazia, todos viajaram. Da minha janela não via vivalma. Resolvo ir ao supermercado comprar um vinho e um salmão para o almoço. Encontro um pequeno congestionamento na entrada...penso que pode ter acontecido algum problema nos computadores que marcam hora de chegada e placa do carro. Entro. Descubro que todos os que viajavam e também os que ficaram resolveram se encontrar no supermercado. Lotado!. Carrinhos cheios, crianças, bebês, famílias inteiras com ovos de Páscoa, caixas de bombons, bacalhau e batatas. E filas...enormes . Faço minhas compras não sem antes pensar em desistir. Só de ver fila a gente já começa a ficar com pressa, mesmo não tendo nada pra fazer.Dá uma gastura, uma aflição de chegar logo pra fazer nada! Pensando assim entro na fila mais longa, puxo uma conversa aqui, outra ali, observo.Na minha frente uma moça de uns 30 anos parece ter feito as compras do mês- carrinho cheio mas sem nada que lembrasse o feriado de Páscoa.Atrás uma mãe. No carrinho, um bebê misturado aos ovos, chips e refrigerante se distrai chupando um pirulito. Nada de muito interessante. .Mas quando a moça da frente começa a colocar os produtos na esteira rolante do caixa percebo que ela segura na mão esquerda um pepino. Com a direita tira as compras do carrinho e as coloca na esteira. Com a esquerda segura o pepino. Olho...olho de novo curiosa pensando que uma hora ela vai se dar conta da inutilidade do gesto, de que se ela colocasse o pepino na esteira seu procedimento seria mais rápido.Mas ela nada....segura o pepino em riste , como uma espada a defendê-la do monstro dos ovos de Páscoa que cercava o supermercado. Quase no fim ela percebe a inutilidade do gesto, sorri e deposita o pepino na esteira. Enquanto isto um debocha: -ah, essa daí deve segurar tanto pepino no trabalho ou na família que nem num dia de pouco stress ela larga o pepino...ninguém merece! E outra mais maliciosa cochicha: -ah como faz diferença um pepino erguido num dia de feriado...dá uma inspiração! Sorrimos. Corro pra escrever. Márcia Sartorelo Carneiro

sexta-feira, 2 de abril de 2010

sobre uma porta

Sobre o rio...a ponte. Madeira fina de tacos gigantes. Sobre a ponte...a porta! Assim pregada, hirta, singela. Azul... Márcia Sartorelo Carneiro , Serra do Cipó, julho de 1977.

Robô

Aquela parte do seu corpo se mostrava despida de carne. Parafusos, porcas ,arruelas e molas saíam-lhe pelo corpo como se sentissem atraídas por algum imã ou como se quisessem pertencer àquela dobradiça ou fechadura. Andava pela rua com sua cadência habitual...olhava como se na sua frente se abrisse o vazio. Parou. Tinha alguma coisa de errado com ele... afinal, toda aquela ferragem lhe saindo do corpo, não era humano. Estava em frente a um ferreiro, que, depois de observá-lo, perguntou: -O que o senhor deseja? Seu corpo tremeu fazendo um barulho enorme... o óleo começou a escorrer-lhe pela cara...as molas do coração se esticavam e contraíam rapidamente. E de repente ele falou: -Pane...pane...não tenho registro ...não tenho programação...não conheço esta palavra...desejo...pane ...pane! E estourou. Márcia Sartorelo Carneiro em 23/01/1977