segunda-feira, 19 de julho de 2010

Como (des) fazer um caminho

Tecer, Enlaçar vazios, Contornar buracos. Linha saltitando apressada sobre a agulha, Fechando espaços, Definindo estradas. Tocar, Abraçar os fios, Enluvar tecidos. Pontos se perfilando apertados sobre a superfície nua. Criando textura, Virando brilho. De repente - um corte- Rompem-se amarras! Fios soltos tentam desesperadamente se fechar em nós. Desmancham buracos, Apagam rastros. Resta - o horror da carne sem tessitura! Mas ... de novo... Restam fios – pra tecer vazios! Restam mãos - pra tocar tecidos! Restam pontos - pra traçar caminhos!

domingo, 18 de julho de 2010

Saudade Pedro

Você foi. Fiquei. É cedo. Parece tarde. Tão cedo! Muito tarde! Cedi! Recomeço! Você foi. Fico. Adeus. Até a próxima lembrança.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Almoço em família

Mesa posta em dia de domingo. Perfilados no campo retangular 10 pessoas. Nas cabeceiras o pai, de um lado, e o avô, do outro. Do lado direito a avó e seus netos – Mateuzinho, Tadeu e eu. Do lado esquerdo a mãe, sua irmã, cunhado e sobrinha. D. Doralice como 11º jogadora tirava o leitão assado e pururucado do fogão e o colocava na mesa sob os aplausos dos mais famintos. Enquanto a avó servia os acompanhamentos para o avô e os netos, a mãe avançou para destrinchar o pobre leitão, e passava um naco para o pai, que por sua vez passava para a cunhada e esta para o marido. A tia nos servia a bebida com pedras de gelo saltitantes enquanto os adultos serviam-se do vinho tinto da Bairrada. A conversa corria solta, quicava, subia de tom, ziguezagueava entre os comensais e Mateuzinho chutava a canela de Tadeu que atrevido dava um carrinho na perna de pau da cadeira da Gabriela que se estabacou no chão. - Falta de educação, menino! Vá já pro seu quarto! Cartão vermelho! ralhou o pai. Massagistas improvisados correm em socorro a Gabriela que fazendo cera chora copiosamente enquanto D. Doralice com seus braços maca a carrega no colo com carinho. Refeita volta a atacar seu pedaço de leitão com batatas fritas sob o olhar atento de minha tia, que, de salto alto, torcia o nariz para a falta de modos dos sobrinhos. Enquanto rolava a conversa o avô matava no peito a azeitona que havia fugido do prato do neto e a agarrava com vigor.Risos gerais! Nesta hora, já tendo me fartado com as comidas e trapalhadas da família, pergunto: -E aí D. Doralice, tem sobremesa? E ela vem correndo da cozinha com uma tigela cheia de bolas de sorvete coloridas. Tropeça e enterra a tigela com bola e tudo na cabeça do meu pai. Silêncio... De repente um grito em uníssono: é gol !!!!!!!!

domingo, 4 de julho de 2010

Dançarina

Catarina era pequena, um metro e meio. Cabelos tingidos de preto avermelhado, longos e com alisamento definitivo. Olhos espertos vasculhavam num segundo o salão de dança, procurando não se sabe o quê. Tinha aproximadamente 55 anos sendo um deles de pura viuvez. O marido trabalhara duro até se aposentar e poder curtir a vida. Não durou nem um ano a curtição. Um infarto entupiu seus planos... coitada! Seu médico indicara sair pra refazer a vida, construir novos laços,. Ela havia percorrido todas as escolas de dança de Bh pra ver onde se sentia melhor, onde seria melhor aceita e recebida . Foi ali no Espaço de Dança que ela resolveu ficar e iniciar-se nos mistérios da dança de salão. Bolero, forró , samba , salsa ,soltinho e o que mais viesse ela toparia , desde que fosse no seu ritmo, aprendizado lento, sem afobações juvenis. Pra se distrair, como ela dizia. Tempo passou e seu olhar, antes nistagmático, começou a pousar devagarinho num moço ( modo de dizer...era um coroa dos seus sessenta anos, alto , forte, engenheiro elétrico, sorriso maroto, conquistador, conversado). E ela pensava ...ah como gosto quando ele entra e risca com o olhar o salão e nossos olhos se encontram... A professora dizia:- vamos trocar de par. E de repente, lá estavam os dois num abraço meio desajeitado, ela com os bracinhos na cintura dele...ele meio curvado tentando encaixar aquela pequenez no seu corpo... ela na pontinha dos pés querendo parecer grande...ele conduzindo compenetrado a dama pelo salão tentando acertar o ritmo..Seria cômico se não pressentíssemos o amor nascente, o desejo se insinuando (pelo menos da parte dela.).Seria trágico se não percebêssemos as insinuações dele.É amizade ou namoro, perguntava alguém. È namoro, dizia ele. E ela se sentia desfalecer. Certo dia a professora pediu que as mulheres dançassem de olhos fechados para melhor se deixarem conduzir. Ela imediatamente fechou os dela e ele sussurrou:- vou te beijar. Ela abriu num segundo e disse:- ai que medo! Riram os dois. Assim seguia Catarina, pequena dançarina.Tinha jeito, a danada.Fazia de seus movimentos um instrumento a mais a tocar acompanhando a música...no mesmo compasso...mesmo tom....mesma melodia. Um dia saíram juntos da escola de dança pra pegarem os respectivos carros que estavam estacionados próximos e ele, ao vê-la abrir o carro, entrou e se assentou ao lado dela. Ficaram ali conversando e ouvindo música.Ela tinha gravado um cd com boleros e salsas espetaculares.Ele queria um beijo. Ela pensou no finado marido, nos filhos, na empregada, no cachorro, papagaio, formigas e até na baratas que as vezes apareciam na sua casa..Cruzes que estes pensamentos são incompatíveis com situação tão romântica!! Mas ela pensou e rapidamente dispensou e beijou-o com paixão.Ele meio confuso disse que estava voltando para a antiga namorada....e a beijava mais intensamente. Que tinha também conhecido uma outra pessoa, colega de trabalho, com quem estava saindo... e a beijava mais intensamente. Ela perdida nos beijos que há muito não experimentava se deliciava e se indignava. Até que num dado intervalo disse:- olha que eu não sou mulher de ficar na fila esperando homem... e vc me colocou em terceiro lugar...primeiro a antiga namorada... segundo a colega de trabalho...Ora, eu estou acostumada a ficar sempre em primeiro...alguma vantagem devo levar em ser pequena! Abriu a porta do carro, mandou-o descer e arrancou. Ficou com gosto de decepção na boca. O bom é que agora já sabe dançar. Márcia Sartorelo Carneiro

Sonho de papel

“...acende a fogueira do meu coração”... Era este o sonho que o vento carregou. Vento forte que carrega o balão. Vento forte que apaga o fogo. Vento forte que nem deixa o fogo acender. Coração em festa para um João. Coração preparado para ser aceso. Coração em fogueira esperando fagulha. E João não veio. Não tinha coração ou o vento o carregou também!