segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ah! mar



          Numa tarde de verão, eu,turista em Salvador, andava pela praia de Itapuã  e me lembrava de Caymmi,cantarolando: o mar quando quebra na praia é bonito, é bonito....
O sol se punha preguiçosamente e a brisa era fresca e perfumada.

           Avistei ao longe uma morena bonita que ia em direção ao mar. Será Dora, rainha do frevo e do maracatu...ou Marina, morena Marina...ou Gabriela, cravo e canela...ou Rosa Morena do mar?
-         onde vais morena Rosa, com esta rosa no cabelo e este andar de moça prosa?
Ela nem me olhou tão interessada estava no pescador que vinha arrastando o barco para colocá-lo na água.

           Foi então que pude ouvi-lo dizer:
-         minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer. Se Deus quiser quando eu voltar do mar , um peixe bom eu vou trazer....
Ela suplicante pedia:
-         é noite , é noite pescador não vai pra pesca que é noite de temporal.....
Ele, entre irônico e preocupado, respondeu:
-         é doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar....

          Conformada com o espírito aventureiro do amado ela se despediu num adeus, adeus, pescador não se esqueça de mim, eu vou rezar pra ter bom tempo, meu bem, pra não ter tempo ruim. Vou fazer sua caminha macia, perfumada de alecrim.
E depois de um longo beijo ele partiu.

          Fiquei ali perto de Rosa até o barco sumir na linha do horizonte junto com o sol e seus últimos raios. Um temporal se formava e nos despedimos correndo cada um pra sua morada.

         Amanheci na praia, pois era meu último dia de férias e lá encontrei Rosa rodeada de pescadores amigos. Em prantos a ouvi dizer:
-         saveiro partiu de noite foi, madrugada não voltou. O marinheiro bonito , sereia do mar levou. Ele se foi afogar , fez sua cama no mar, nos braços de Iemanjá..
.
          Consternado pensei que pescador quando sai nunca sabe se volta , nem sabe se fica. Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos nas ondas do mar.
  Enquanto isto Rosa gritava:
-         só louco amou como eu te amei, só louco  quis o bem que eu quis....

          Sentei-me na areia fina e emocionado vi que a pobre Rosinha da Chica, que era bonita, agora parece que endoideceu. Vive na beira da praia, olhando pras ondas, andando, rodando, dizendo: morreu, morreu... 



sábado, 15 de outubro de 2011

Arrayan




          Assentada na varanda da casa estilo inglês, tomava chá de rosa mosqueta e admirava a beleza do lago Lácar, na Patagônia Argentina.

          Imaginei-me uma tal Elizabeth, no início do século XX, recém chegada aos arredores de San Martin de los Andes, a escolher um local de visão paradisíaca para construir sua casa. Ele estava comigo a comandar os trabalhadores no encaixe perfeito das toras de madeira que formavam as paredes da casa. Eu bordava as cortinas para enfeitar as vidraças das muitas janelas que permitiam a entrada do verde dos pinheiros e do brilho das eternas montanhas nevadas.

          Um vento frio me devolveu a mim mesma e pude escutar o riso solto de minha filha e genro a saborear as média lunas adocicadas do lugar. Nossa companheira de viagem continuava fotografando cada centímetro quadrado da cordilheira dos Andes como uma topógrafa seriamente dedicada a seu trabalho.

          Voltei a ser Elizabeth e a conversar com os primitivos habitantes do lugar tentando aprender a língua mapuche e me divertindo com aquele povo alegre e despreocupado. Paihuen....lugar de descanso, eu repetia. Arrayan...último raio do pôr-do-sol. Curioso que um povo tenha uma palavra para designar o último raio do pôr-do-sol. Lindo isto, eu pensava.

          De novo, as vozes de meus companheiros de viagem me fizeram voltar àquele presente. -Venha, mãe, ver o sol se por atrás das montanhas nevadas, jogando prata sobre o lago Lácar e fazendo contraste luz e sombra sobre a cidade e suas matas!

          E eu vi ...arrayan....naquela tarde de primavera.

          A noite caiu e ao longe Elizabeth acenava se despedindo num gesto silencioso e delicado.


03 de outubro de 2011.