quinta-feira, 6 de dezembro de 2012




Por que escrevo?
Melhor seria perguntar por que não escrevo?
Escrevo porque não sei
Da poesia as coisas
Apenas olho
Um ponto
As palavras formam ondas
A contornar este ponto
E o ponto vira conto,
Vira coesia,
Vira poesia!

Por que escrevo?
Melhor seria perguntar por que não escrevo?
Não escrevo porque não sei
Da poesia das coisas
Apenas olho
Um ponto
E o ponto é só coisa!
É só isso!
E ponto!
                                                            Márcia Sartorelo Carneiro


domingo, 5 de agosto de 2012

De rio e mar

 



     Marina queria conhecer a foz do Rio São Francisco. De um tempo para cá só falava nisto, era foz para lá, foz para cá. Não sabia bem o porquê de tanto desejo, mas era desejo dos bons, decidido e pronto. Dizia que foz é fim de travessia - rio que termina no mar. Dizia que foz é encontro – duas águas que se misturam.
     Contava que quando criança seus pais a haviam levado para conhecer a nascente do rio, na serra da Canastra. Um broto de água e um filete a escorrer tímido entre pedras. Molhou os pezinhos, lavou o rostinho e bebeu o doce das águas. De mãos dadas com os pais viu nascer o rio e o riso.
     Contava que na juventude havia navegado em suas águas de Pirapora a Januária. O vapor Benjamim Guimarães a levara, junto com seus sonhos e amores, entre o nascer e o por-do-sol, entre o apagar das luzes e o brilho da lua cheia. Deslizou na lâmina prateada, viu peixes saltitando, viu ribeirinhos entrando e saindo com suas sofridas vidas, crianças correndo nas margens em abano de mão ou venda de doces.
     Soube, então, que as águas que passavam nunca eram as mesmas. Acontecimento único, singular.
     Agora, nos idos de seus cinqüenta e poucos anos, Marina foi à foz e me contou. Em Alagoas, estado de lindas praias, longo e belo litoral, tomou um barco e navegou velho Chico adentro. Margens largas abraçavam águas caudalosas, límpidas e potentes. O barco rompia sereno a lâmina da superfície, e enquanto Marina olhava aquele mundo líquido, um êxtase tomou conta de seu corpo. Um instante e ela era água e rio. E riso!
     Dunas de areia fina e dourada emolduravam o encontro de rio e mar. Coqueiros lançavam uma pitada de verde sobre o ouro.
O barco cada vez mais próximo...e a foz se fez encontro belo e bom!
     Marina me disse que esperava encontro mais agitado, quase desencontro, confessou. Mas o que viu foi encontro doce e sereno. O velho Chico foi chegando forte, mas manso. Virou mistura de rio e mar, mais mar, agora. E riso!
     Marina lançou-se em suas águas ainda doces, mergulhou, sentiu o frescor e o sabor de suas águas e repousou no leito denso do rio.
     Depois, estirada em suas margens de douradas dunas, Marina disse baixinho:... e a foz se faz de sonho e nada mais!
 Foi assim que ela me contou. E rio!

terça-feira, 3 de julho de 2012

Uma gaiola nas asas



           Passeio minha manhã de segunda-feira pela pracinha do bairro.
 Caminho decidida a me encontrar no fim das 20 voltas com algumas calorias a menos e um tanto de energia a mais.
          À minha volta vejo as mesmas pessoas de sempre: as duas irmãs que não param de falar, cheias de tanto assunto, a dona dos dois cachorros, um na coleira, junto dela e o outro desfilando sua elegância e independência pelas ruas e calçadas. Vejo também o velhinho de passos lentos, o casal de mãos dadas, a senhora procurando companhia para comentar as novelas, os jovens exibindo-se na corrida, os carrinhos passeando os bebês e seus pais, as crianças desfilando seus velocípedes ou bicicletas, o médico-jardineiro regando suas rosas no jardim do consultório, o piano que soa ao longe ensaiando escalas maiores e menores , as maritacas em voo e gritos e tantas rotinas mais.
            Hoje, um acontecimento se fez.
            Era uma senhora, de seus 50 anos, magra, tamanho mediano, cabelos anelados e curtos que passou por mim. Trazia apoiada no ombro esquerdo uma gaiola de madeira. Dentro um passarinho, canário talvez, cantava. Achei que ela estava só passando pela praça, em direção à sua casa ou outro lugar qualquer. Mas surpresa vi que ela passeava pela praça e apontava para as árvores, mostrando-as para o pássaro. Conversando com ele apontava o céu, o vento, o espaço da cidade.
            E o pássaro olhava.
 Não se debatia querendo romper as grades e rasgar o espaço. Estava domesticado. Ela apontava. Ele olhava e cantava.
            Coisa mais triste!

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Viagem à Cordisburgo






Pelos caminhos do Rosa

Ouvi contos e berrante
Lacei bezerro no olhar
Fugi do fogo do mato
Virei a vaca tô frouxa

Vi uma pitada de verde no azul do céu

Vesti a sombra do jatobá
Pisei chão de pedregulho
Cheirei  até cajá-manga
Caminhei com os amigos

E encontrei no sertão o sozinho.


sexta-feira, 2 de março de 2012

Areia

Não era só uma cabeça humana...
Hoje voltei lá.
E vi.
Era algo assim...
 Humanamente frágil.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Fênix




Abri o caderno.
Qual fênix renascida, as cinzas me olhavam esperando trabalho.
Era quarta-feira de cinzas.
Para lembrar que somos feitos de pó - pó de estrelas, pó de cinzas, pó de areia.
Morte e renascimento.
Esperei atenta.
Silêncio.
.Hoje, ao voltar da academia, passei por uma calçada em reconstrução.
Próximo ao entulho, restos de pedras portuguesas da antiga calçada, um monte de areia e brita esperavam para serem trabalhadas na feitura da nova calçada.
Mas um homem se ajoelhara sobre o monte de areia e moldava, com suas mãos e a ajuda de um pouco d’água, uma cabeça humana.
Parei e olhei.
Suas mãos ágeis esculpiam o contorno dos olhos, nariz, boca.
Acabado o trabalho, levantou-se, sacudiu a areia da roupa e foi-se.
Pó de estrelas, pó de cinzas, pó de areia, pó de criar, pó(iesis).