domingo, 28 de março de 2010
domingo, 21 de março de 2010
Barrados no baile
Era um jovem cinquentão , charmoso,educado,inteligente.Tinha descendência árabe, a qual, junto com um estilo hippie anos setenta, lhe dava um ar de muçulmano fundamentalista. Magro, estatura mediana,barba rala por fazer,traços fortes e sorriso franco. Físico,educador e escritor estava entre os mais sofisticados intelectuais mineiros, também dançava um forró arretado e curtia boa música.Assim era meu amigo Rafael, o Rafa.
Sofisticado na sua simplicidade, vestia camiseta rosa bebê só pra agradar a namorada- sem preconceitos! E olha que nem atleticano era pois o fato ocorreu antes do clube lançar aquela camisa rosa e preta em 2010.
Foi na comemoração de mais um dos meus janeiros que convidei o Rafa e sua namorada para dançar no Clube Fantasy, casa noturna de Bh. A propaganda do site dizia receber a população mais elegante da noite belorizontina e exigia traje esporte fino dos frequentadores.
No dia combinado, ainda no carro me dirigindo ao local para encontrar os amigos , o telefone toca. È o Rafa dizendo que foi o primeiro a chegar mas o segurança não o deixava entrar por estar vestido inadequadamente.
-Mas como você está vestido?
_De bermuda e sandália!
Chego ao local e nos encontramos. A Lia toda linda de vestido de festa e salto alto e o Rafa
Com sua bermuda e sandália de couro.Negocia pra lá...negocia pra cá....ele olha pro segurança e pensa que sua bermuda custou mais caro que o terno de tergal barato do cara...alguém quer arranjar uma calça e sapato emprestados...o Rafa calça 44....impossível! Frustrados nos despedimos na porta do Fantasy submissos às regras da casa .
O Rafa e a Lia foram pra casa e dançaram a noite inteira ao som do Dussek- barrados no baile...isto é que dá querer frequentar!!!
Só que lá não precisavam mais de roupa...de nenhuma roupa!
Dias depois encontrei o Rafa. Me contou que também foi barrado no Itaú personalité!
Também com aquela cara de fundamentalista ninguém podia acreditar que tinha fundos no banco. E como tinha!
Vestia a mesma bermuda com a camisa rosa bebê...acharam que era disfarce de algum terrorista!
Márcia Sartorelo Carneiro.
segunda-feira, 15 de março de 2010
24 horas sem luz
Havia sofrido uma ruptura do ligamento anterior cruzado e contusão óssea da tíbia no joelho direito. Puro delírio de atleta da (quase) terceira idade e com breve carreira futebolística...jogava futebol no gramado do sítio com meu sobrinho quando pisei na bola , torci a perna e gemi de dor. Só escutei o Bruno gritar: papai!!! e caída no gramado ,pela expressão do rosto de meu irmão fisioterapeuta , percebi que a coisa não era boa.
Mas isto é só pra introduzir o acontecimento que quero deixar registrado aqui. Estava já há uns 10 dias sem dirigir, indo à fisioterapia de táxi, quando numa segunda feira resolvo descer na garagem do prédio onde moro pra ligar o carro ...aquela história de evitar que a bateria descarregasse. Pego o elevador com aquela roupinha de ficar em casa , meio velha ,meio suja, a chave do carro , a da casa ,o celular e a bengala que me acompanhava .Ligo o carro ...experimento dirigir pra frente e pra trás..até parecia que os ligamentos rompidos eram do carro..a contusão óssea então parecia que a lataria tava imprestável. Mas depois de feito o serviço , e certa de que dirigir não seria grande problema, tomei o caminho de volta pro elevador. Estava próximo quando ouvi um estrondo que logo identifiquei como problema no transformador que alimenta a energia elétrica do prédio. Junto com o barulho senti uma gota de chuva que assustada com o barulho resolveu despencar com toda a força que anima a natureza. Ainda bem que não estava no elevador , pensei eu, ficaria presa lá .Subi então um lance de escada que me levaria até a portaria do prédio. Quero lembrar que havia, neste mesmo dia, na fisioterapia, treinado subir escadas com movimentos paralelos pra não comprometer o joelho .... fiz então mais um treino agora sozinha.....vitória!!! minto ...eu e minha bengala. Chegada à portaria , porteiro e faxineiros me olham espantados... D. Márcia aqui em baixo com uma chuva destas...Dadas as devidas explicações assento-me no sofá da portaria pra esperar a luz voltar. Muitos moradores começam a voltar pra casa e passando por lá param pra conversar , perguntar sobre o ocorrido comigo , com a luz, dar notícia da chuva pela cidade... vejo chegar então o síndico , senhor de seus 80 anos , com problemas no coração , válvula acho eu, e com uma surdez característica do idoso . Seu Anisio chega manso, assenta perto de mim, conversa do estouro , da Cemig, da chuva. O Bira também desce do apartamento onde faz serviço de pintor e assentar azulejo pq sem luz não pode cortar a cerâmica . Fica ali por pura solidariedade. Conta que também tem o LCA rompido há 25 anos num jogo de futebol. Fico contente pq a falta não compromete tanto sua vida. Quer me ajudar a subir as escadarias pq a luz não vai voltar tão cedo...esqueci de dizer que moro no 13 andar... quase 200 degraus acima...e contundida!!
A senhora do segundo andar chega da rua e começa uma conversa comprida comigo e com seu Anisio que sem escutar bem o que ela diz teima em repetir a cada pausa dela que houve um estouro no transformador, a chuva caiu , o porteiro já avisou a Cemig , o protocolo já está anotado...ela fala da cama coreana que experimentou na loja...uma delícia de relaxamento... de Ponte nova... do deputado fulano de tal que é de lá e tem influência na Cemig... e ele diz que o porteiro já ligou pra cemig...
Chega nesta hora o filho do síndico , trazido pelo Escolar da escola onde estuda.. tem síndrome de Down, pode muito bem subir até o 15 onde mora e a mãe espera, mas o pai o retém e assentam os dois num banquinho um pouco afastados da dona da conversa comprida... E as pessoas vão passando , chegando ou saindo, umas subindo imediatamente as escadas para suas casas, outras parando pra conversar , saber pq da bengala, se a Cemig já foi avisada...
Chega também pra ficar o Sérvulo, também idoso e um pouco obeso e se abanca no sofá do lado do Bira. Mora no 17 e não tendo opção resolve esperar a luz chegar mas junto resolve ganir toda indignação contra a Cemig desde o mas réles funcionário até o presidente , passando é claro pelo governador , prefeito, deputados.....que não dão conta do transformador estourado ...toda chuva é a mesma coisa ...todo lugar tem luz ...só falta aqui no prédio.... culpa do presidente ...parece perseguição contra nós...
Meu celular toca . è minha filha que não me encontrando em casa pensa onde anda essa louca da minha mãe.. com uma chuva destas....Esclarecida a situação ela diz que está indo pro plantão mas vai passar na padaria e comprar um lanche pq não se sabe a hora que a luz vai voltar. Digo pra reforçar o lanche pq a portaria ta cheia de gente ... Somos quatro portadores de necessidades especiais... um surdo , um com síndrome de Down, uma de bengala e um obeso... mais o porteiro e o Bira sem necessidades especiais aparentes..Desculpem a brincadeira mas, é preciso transformar a dor em riso estourado!
Chega o bolo, o pão de queijo, o chocolate e nos deliciamos ali assentados . Só o Sérvulo não aceitou a merenda ...acho que resolveu fazer dieta justo naquela hora! Devido ao adiantado da hora e de barriga cheia percebo que cada um já começa a olhar o melhor pedaço do sofá pra passar a noite... vai ser guerra!!! O porteiro está contente pois vai ter companhia ...Meu celular toca ... é meu irmão que avisado do ocorrido pela minha filha vem me buscar pra dormir na sua casa... pode deixar ...eu espero um pouco mais...ta divertido...o porteiro não quer que eu vá...diz que eu to distraindo eles ...assim o tempo passa melhor... meu joelho ta quase bom...Não tem jeito . Sou resgatada e levada assim mesmo pra dormir na cama quentinha. O Bira resolve ir embora pra casa dele. Os três ficam tristes pq to indo. também alegres pq ganham espaço no sofá. O porteiro agora triste diz que quando faltar luz de novo manda me chamar pra passar o tempo...Digo que eles deveriam ir pro hotel passar a noite lá... . e me vou.
Só voltei 24 horas depois quando o porteiro me avisou que a Cemig enfim resolveu o problema que acometeu 200000 residências naquela noite. Vim pensando o que teria acontecido com meus três companheiros de infortúnio.Fiquei sabendo que lá pra meia noite, depois dos apelos das esposas para irem pro hotel resolveram empreender a longa subida escadaria acima , iluminados por um casal solidário que os acompanhou durante 2 horas na empreitada com direito a muitas paradas para descanso.
Passados alguns dias ....ainda não encontrei o Sérvulo....Seu Anísio caminha seus passos lentos todo dia na pracinha já recuperado ... eu atrás dele e sem bengala.
Márcia Sartorelo Carneiro.
segunda-feira, 8 de março de 2010
A menina e seu desejo
Era manhã de junho.Aquele friozinho gostoso, céu azul limpo, sol despertando lento. Caminhava no parque observando árvores , flores, bichos, gente, meus movimentos corporais, respiração, suor, vento no rosto, cheiro de aposentadoria – prazer. Passo depois no Palácio das Artes para comprar ingressos da ópera de domingo próximo. No foyer a orquestra está afinando seus instrumentos e crianças, muitas, afinam suas emoções, aflições, expectativas com seus respectivos lugares....cadeiras enfileiradas, professoras pedindo silêncio, fazendo psiu, amarrando a cara, trocando de lugar, mandando assentar.
Assento. A orquestra começa a tocar uma ária de Bizet. Crianças silenciam, rostos iluminados, ouvidos atentos, sorrisos furtivos. Também celulares pululam das bolsas querendo participar da orquestra....um desastre essa tecnologia. Palmas entusiasmadas, gritinhos em meio ao psiu das professoras. O maestro apresenta os instrumentos. Cordas – violinos, violas, violoncelos e baixos.De agudos a graves os sons imitam as cantigas de roda infância. Algumas crianças ainda reconhecem o “atirei o pau no gato” há muito esquecido , ou talvez ameaçado pela sociedade protetora dos animais.A harpa toca também. Myriam, minha amiga e seu delicado som angelical. Depois vêm os metais, as madeiras ( aquelas que são feitas de metal mas é um pequeno pedaço de madeira que define o som), e , por fim, a percussão- aquele som primitivo que mexe com nossas entranhas.
E mais orquestra, maestro , Carmem, Bizet e orquestra.
O maestro conversa, explica ( é um concerto didático) e de repente uma criança o interroga. Quer saber se pode ver os instrumentos de percussão de perto ( eles ficam no fundo da orquestra). O maestro diz que ao final as professoras os organizam para vê-los. A criança pergunta então se pode tocar os instrumentos. Ele delicadamente responde que não pois os instrumentos desafinam facilmente, são sensíveis. Ela então diz que quer reger a orquestra. Isto pode? Ele lhe oferece a batuta e ela ,com seu desejo decidido, se coloca diante da orquestra , levanta os braços e com a elegância de um toreador faz contornos sonoros ao redor de seu desejo. A orquestra acompanha.
Ao final, vou abraçar minha amiga harpista. Conversamos. Saio do Palácio das Artes e as lágrimas me encontram distraída pensando naquela menina (e seu desejo) Brava! Bravíssima!!!
Márcia Sartorelo Carneiro.
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