sábado, 31 de dezembro de 2011

Imaginação



          “Caminhava quando ela passou por dentro de mim. Olhei para trás, ela exibiu asas enormes e voou em direção ao sol. Fui atrás, mas não adiantou, não tinha asas. Continuei caminhando, cruzei com um sujeito que pensava alto.”
          Entrei no parque municipal e admirei as árvores. Assentei-me no gramado e procurei por ela. Tirei papel e lápis de dentro da mochila e esperei que ela voltasse.
          Senti caírem do céu pequenos fragmentos de cinza que sujaram o papel.  Minha imaginação havia queimado suas asas enormes ao se aproximar muito do sol.
Soprei as cinzas, fechei o caderno e pensei:
-         também quem manda querer voar assim tão alto!


( a frase entre aspas é de R. Claver)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Ora, poemas!



       Em minha caixa de correio apareceu uma frase em letras garrafais: PRECISO DO POEMA DE SEUS OLHOS. Em seguida um pedido: continue este poema e deixe-o na caixa.

Preciso do poema de seus olhos
Doce encontro de imagens e silêncios
A interrogar meus sonhos
E escrever seus traços

Preciso do poema de seus olhos
Doce encontro de sombras e cores
A despertar meus dons
E festejar meus amores

        Fiz o poema e, embora o achando meio cafona, o coloquei na caixa de correio conforme pedido deste alguém secretamente romântico.
        Pensei inicialmente que pudesse ser pedido de algum admirador secreto, escritor talvez, que quisesse investigar meus dons literários.
-         Bobagem, menina, deve ser alguma pesquisa para saber se as pessoas aqui da casa sabem ler e escrever, disse Sá Dolores, enquanto coava o café na cozinha de minha casa.
        Meu pai, lendo o jornal na mesa do café da manhã, logo quis saber do que se tratava, e ao ser colocado a par do acontecido, resmungou qualquer coisa parecida com “ vê lá com quem você está se metendo ...não se pode confiar em ninguém nos dias de hoje.”
        Meu irmão, com jeito gozador, e já com o iphone nas mãos a responder seus e-mails, ria deste alguém tão careta que nos tempos da internet ainda se preocupava com cartas, poemas, olhos e caixas de correio tão pouco virtuais.
        Minha mãe, ocupada que estava em nos servir o bolo de fubá com queijo saído do forno, suspirava romântica pelo acontecido. Também, se não der em nada, pelo menos servirá para você treinar sua escrita minha filha, suas notas não andam lá muito boas, disse num repentino tom de realidade.
         Eu olhei todos os dias dos meus quinze anos a caixa de correio. Na primeira semana a carta poema continuava lá. Depois sumiu. Alguém pegou! Nas semanas e meses seguintes eu olhei a caixa de correio pelo menos uma vez por dia procurando uma resposta...ou outro verso que me fizesse sonhar. Nada!
       Hoje, já bem crescida e vivida, ao abrir a caixa de correio encontrei outro verso, a mesma letra. PRECISO DO POEMA DE SEUS LÁBIOS. Tomei o lápis e escrevi ali mesmo: APAREÇA, VENHA PROVAR!
        É noite, o bilhete já não está mais lá e ouço a campainha tocar.




domingo, 20 de novembro de 2011

No mundo da escrita


       
          Era uma vez ...os 3 porquinhos.

          Era uma vez.....uma menininha a recortar as frases, depois as palavras, depois as sílabas, depois as letras do seu primeiro livro de leitura.  Mãozinhas suaves a copiar as formas arredondadas nas linhas paralelas traçadas no papel do seu primeiro caderno de caligrafia..

-         Mamãe, eu já tenho uma casinha, tão acolhedora e protegida. Preciso mesmo sair dela e construir minha própria casa de palha... de madeira...de tijolo? Preciso mesmo me confrontar com o lobo, correr, fugir, me estremecer?

-          ..........................

-          Mamãe, eu vou...casinha derrubada no sopro, casinha erguida na garra. Eu vou. Não tem mais jeito de voltar. Eu já aprendi a escrever.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ah! mar



          Numa tarde de verão, eu,turista em Salvador, andava pela praia de Itapuã  e me lembrava de Caymmi,cantarolando: o mar quando quebra na praia é bonito, é bonito....
O sol se punha preguiçosamente e a brisa era fresca e perfumada.

           Avistei ao longe uma morena bonita que ia em direção ao mar. Será Dora, rainha do frevo e do maracatu...ou Marina, morena Marina...ou Gabriela, cravo e canela...ou Rosa Morena do mar?
-         onde vais morena Rosa, com esta rosa no cabelo e este andar de moça prosa?
Ela nem me olhou tão interessada estava no pescador que vinha arrastando o barco para colocá-lo na água.

           Foi então que pude ouvi-lo dizer:
-         minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer. Se Deus quiser quando eu voltar do mar , um peixe bom eu vou trazer....
Ela suplicante pedia:
-         é noite , é noite pescador não vai pra pesca que é noite de temporal.....
Ele, entre irônico e preocupado, respondeu:
-         é doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar....

          Conformada com o espírito aventureiro do amado ela se despediu num adeus, adeus, pescador não se esqueça de mim, eu vou rezar pra ter bom tempo, meu bem, pra não ter tempo ruim. Vou fazer sua caminha macia, perfumada de alecrim.
E depois de um longo beijo ele partiu.

          Fiquei ali perto de Rosa até o barco sumir na linha do horizonte junto com o sol e seus últimos raios. Um temporal se formava e nos despedimos correndo cada um pra sua morada.

         Amanheci na praia, pois era meu último dia de férias e lá encontrei Rosa rodeada de pescadores amigos. Em prantos a ouvi dizer:
-         saveiro partiu de noite foi, madrugada não voltou. O marinheiro bonito , sereia do mar levou. Ele se foi afogar , fez sua cama no mar, nos braços de Iemanjá..
.
          Consternado pensei que pescador quando sai nunca sabe se volta , nem sabe se fica. Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos nas ondas do mar.
  Enquanto isto Rosa gritava:
-         só louco amou como eu te amei, só louco  quis o bem que eu quis....

          Sentei-me na areia fina e emocionado vi que a pobre Rosinha da Chica, que era bonita, agora parece que endoideceu. Vive na beira da praia, olhando pras ondas, andando, rodando, dizendo: morreu, morreu... 



sábado, 15 de outubro de 2011

Arrayan




          Assentada na varanda da casa estilo inglês, tomava chá de rosa mosqueta e admirava a beleza do lago Lácar, na Patagônia Argentina.

          Imaginei-me uma tal Elizabeth, no início do século XX, recém chegada aos arredores de San Martin de los Andes, a escolher um local de visão paradisíaca para construir sua casa. Ele estava comigo a comandar os trabalhadores no encaixe perfeito das toras de madeira que formavam as paredes da casa. Eu bordava as cortinas para enfeitar as vidraças das muitas janelas que permitiam a entrada do verde dos pinheiros e do brilho das eternas montanhas nevadas.

          Um vento frio me devolveu a mim mesma e pude escutar o riso solto de minha filha e genro a saborear as média lunas adocicadas do lugar. Nossa companheira de viagem continuava fotografando cada centímetro quadrado da cordilheira dos Andes como uma topógrafa seriamente dedicada a seu trabalho.

          Voltei a ser Elizabeth e a conversar com os primitivos habitantes do lugar tentando aprender a língua mapuche e me divertindo com aquele povo alegre e despreocupado. Paihuen....lugar de descanso, eu repetia. Arrayan...último raio do pôr-do-sol. Curioso que um povo tenha uma palavra para designar o último raio do pôr-do-sol. Lindo isto, eu pensava.

          De novo, as vozes de meus companheiros de viagem me fizeram voltar àquele presente. -Venha, mãe, ver o sol se por atrás das montanhas nevadas, jogando prata sobre o lago Lácar e fazendo contraste luz e sombra sobre a cidade e suas matas!

          E eu vi ...arrayan....naquela tarde de primavera.

          A noite caiu e ao longe Elizabeth acenava se despedindo num gesto silencioso e delicado.


03 de outubro de 2011.

domingo, 18 de setembro de 2011

                                                             
                                                               O tucano
                                                           leva para voar
                                                      nosso olhar colorido.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

No inverno mineiro
A vida queima indefesa
No cerrado em flor.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Rapunzel em nova versão

     


          Era uma vez um sítio chamado Sítio do Pica-pau amarelo. Lá ficava um lindo castelo de onde todos os dias, Rapunzel, ao acordar, jogava suas longas tranças pela janela para que seus amiguinhos pudessem entrar e tomar o café da manhã com ela.
          Ao som dos músicos de Bremen a algazarra estava formada, junto com uma fila interminável a subir por aquela trança-escada ( devo dizer que o castelo não tinha portas e este era o único meio de entrar e sair - só Rapunzel não podia, pois quem serviria de trança para ela subir e descer?)?
Mas mesmo assim era uma festa ver o Gato de Botas todo faceiro, o tristonho patinho feio a se esconder atrás do fogão, Peter pan e sininho brincando de esconder (estes, como podiam voar não usavam as tranças). A Branca de neve sempre ia, mas recusava todas as maçãs que eram servidas, e os anões entoavam coro enquanto esperavam pelas guloseimas.
 D. Benta e tia Anastácia, apressadas na cozinha, preparavam os quitutes enquanto o Visconde de Sabugosa planejava com o Rabicó uma maneira de tirar Rapunzel do castelo onde vivia presa.
E todo dia a cena se repetia.
         Quem a teria colocado ali, a exercer esta função de escada, se perguntavam os visitantes do castelo.
-         Acho que foi a madrasta, dizia a Gata Borralheira, para que não se casasse com o príncipe. Só queria que ela trabalhasse de escada.
-         - Acho que foi o lobo mau, dizia outro, para que ela não fosse dar passeios na floresta com sua amiga Chapeuzinho vermelho.
-         Ora, certamente foi o Capitão Gancho, dizia Wendy, aquele malvado queria vê-la presa enquanto velejava pelos sete mares pilhando outros navios.
-         Talvez algum dos três porquinhos, aquele mais atrapalhado, que construiu o castelo e não colocou porta para o lobo não ter onde bater.
        E assim os dias se passavam e Rapunzel, que no início era só alegria ao receber seus amiguinhos, foi ficando triste e pensativa, Queria ela mesma conhecer o mundo do qual só tinha notícias pelo que contavam no café da manhã. Era assim como um jornal falado ao amanhecer.
         Seus amiguinhos, comandados pelo Visconde de Sabogosa se mobilizavam para criar estratégias para tirá-la dali.
-         Quem sabe plantamos um pé de feijão que possa trepar pelas paredes e servir para a escalada, se perguntava o Joãozinho.
-         Vamos jogar nela o pó de Pirlimpimpim, dizia Peter pan, aí ela poderá voar.
-          Melhor seria trazer um príncipe de terras distantes que a tomasse nos braços e a levasse daqui, suspirava Branca de Neve, Ele resolveria o problema, pois para isto são feitos os príncipes, emendava.
-         Até o Gato de Botas pensou em emprestar-lhe as botas, que facilitariam o pulo, mas era uma solução provisória. E depois, botas, pulos e aquela trança enorme não combinavam, ia embolar tudo.
Até soluções mais práticas e menos fantasiosas foram aventadas:
-         Vamos furar um buraco no castelo para servir de entrada e saída. É mais prático, diziam uns.
-         Acho melhor construirmos uma escada de madeira e colocar na janela, diziam outros.
As fadas do reino solidárias, mas sem grandes ideias de salvação lhe deram um tear para que ela pudesse se distrair nas horas vagas e quem sabe tramar alguma coisa.
         E assim, Rapunzel passava os dias, a encontrar seus amigos no café da manhã e a tecer nas outras horas. Até que um dia, inadvertidamente, espetou o dedo no fuso do tear e, ao contrário da Bela Adormecida, isto serviu para acordá-la.Ao ver o sangue jorrando e aquela dorzinha ardida, ela se perguntou:- mas o que me prende a este castelo? Como posso sair daqui?
          E Rapunzel percebeu que o que a prendia àquele castelo eram, justamente, suas tranças. Cortou-as. Que alívio. Estava agora mais leve, os cabelos curtos e soltos.Pegou suas tranças, amarrou-as na janela e foi descendo por elas. Saltitou pelo jardim, dançou, rodopiou e se alegrou. Tomou emprestada a carruagem da Cinderela e saiu dirigindo para tomar seu café da manhã na padaria da esquina
      E aquele foi um momento feliz para sempre.






quinta-feira, 28 de julho de 2011

IPê



Chegou e partiu com os ipês amarelos
Nos meses de julho e agosto.

Chegou e partiu como os ipês amarelos
Em floradas intensas, belas, efêmeras.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Dados e casos

  

          “Se não lanças o dado, não há acaso a ser provocado!” Mariana pensava no que ele havia dito, seu professor de filosofia esotérica, quando pegou o carro e saiu de casa apressada para dar uma chance ao acaso.
          No sinal fechado olhou para o lado, primeiro lance de dados. Sorriu para as crianças do carro ao lado que responderam com caretas: botou língua para elas também O pai das crianças olhou enfurecido e ralhou com as crianças. Do outro lado o poodle tosado quase despencava janela afora, latindo e se exibindo. A madame falava qualquer coisa ao celular.
          O por do sol avermelhado cobria o horizonte enquanto os poucos pássaros procuravam abrigo para a noite nos ipês rosas que floresciam em cachos..
          Na faixa de pedestres duas senhoras idosas passavam de braços dados e passos curtos, o cadeirante se esforçava para acertar o meio fio rebaixado, o careca de pasta de couro olhava de soslaio para a moça de salto alto e mini saia.
          Mariana observava distraída os acontecimentos. Sentiu a respiração ofegante de alguém perto da janela de seu carro. Um cheiro quente e ácido invadiu o ambiente. Dedos finos e unhas sujas seguravam o vidro da janela. Ela ouviu:
 - passa a bolsa ou eu te furo!
Com movimentos tensos e controlados Mariana passou a bolsa olhando sempre em frente.
           O sinal abriu. Mariana arrancou. Suas pernas tremiam. Parou o carro numa vaga, fechou os vidros, recostou a cabeça, cerrou os olhos e chorou.
          Mais um dado a acrescentar às estatísticas policiais e um (a)caso triste.

domingo, 19 de junho de 2011

Haikai



Se não lanças o dado
não há acaso
a ser provocado!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Linguagens

                                                                


Com um ponto crio um conto.
Com uma reta sou poeta.
Ele arquiteta.
Traça casas,
Mil projetos.
Eu, sonetos.
Nós, pretextos.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Incompletamente só




Ah, meus pobres olhos cansaram de olhar o mundo como olhos solitários!
Querem, agora, um par de olhos para fazer par com meus olhos.
Viajar, vagar, admirar!
Depois encontrar, olhos nos olhos,
E adormecer ao fechar.


quarta-feira, 1 de junho de 2011

Canto de bar



Estou só neste bar. Espero por ele. Cheguei mais cedo só para observar.Trago comigo um caderno e caneta para anotar. Há muito tempo não escrevo, ando meio embotada, abotoada a blusa no peito, peito fechado.
 Outro dia dizia que não se pode escrever quando se está muito para fora, muito aberta às circunstancias. Também não se pode escrever estando muito fechada . É preciso um nível de intimidade ótimo, um movimento dentro-fora.
Abro o caderno e vejo um escrito de Nietzsche: “para haver arte, para haver alguma contemplação estética, é indispensável uma precondição fisiológica: a embriaguez”.
Olho em torno, as paredes decoradas com gravuras e retratos de cantores conhecidos, as mesas quadradas de madeira de demolição, cadeiras pouco confortáveis, cheiro de cigarro proibido e cerveja ácida, lavanda e suor. Ruído de copos e vozes se misturam.
 É certamente este a mais de energia, este excesso, chamado embriaguez, que nos ajuda a criar. Nietzsche tinha razão: esse a mais do sexo, do amor, do afeto, do desejo, da festa, do comprometimento, do acontecimento é que alimenta a criação estética.
  Estou absorta em meus pensamentos quando o garçom se aproxima com o cardápio.
Peço uma cerveja pensando nas muitas que vou tomar para chegar a este estado fisiológico de embriaguez.

Tomo o primeiro e mais saboroso gole da cerveja gelada vendo a Ângela Maria entrar sorrateira, se esgueirando porta adentro. Posso adivinhar seus pensamentos: - “de noite, eu rondo a cidade, a te procurar, sem te encontrar. No meio de olhares, espio por todos os bares, você não está”.
Sussurro timidamente para ela:- “desiste, esta busca é inútil!”.
Ela sai apressada, para continuar sua ronda e terminar estampada na primeira edição: cena de sangue num bar da avenida São João.

-         “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa, uma boa média que não seja requentada”.
Olho assustada e vejo Noel assentado num banquinho do balcão, a dedilhar um violão comendo um pão bem quente com manteiga à beça.

Ouço um celular tocando na mesa ao fundo. Alguém atende:- “Alô, to num bar chego já.
To aqui batendo um papo, tomando uma gelada. Hoje convidei uns amigos para beber, mas daqui a pouco só vai dar eu e você.”
Os amigos riem, fazem troça. Reconheço a zabumba do forró encostada num canto da parede.

Na mesa ao lado da minha uma morena de nome Terezinha se apresenta e é convidada a  assentar.Conversa com um rapaz louro de alhos azuis, ainda desconhecido. Parece que conta sua historia, enumera seus parceiros e suas desilusões.
-         “O segundo me chegou , como quem chega do bar, trouxe um litro de aguardente, tão amarga de tragar”.
Ele entusiasmado também quer contar sua história e diz:- “quando vou de bar em bar viro a mesa, berro, bebo e brigo. Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz, me conhecem só pelo meu nome de menino- Jesus!”E cantarola laiá laiá..

Mais à frente, perto da janela, a doce Aurora (penso que assim se chama por ser clara e orvalhada) conversa com um homem vestido com seu terno mais bonito e diz:
      -“você diz que é operário, sai em busca do salário para poder me sustentar, qual o quê!”.
No caminho da oficina há um bar em cada esquina pra você comemorar, sei lá o quê!”
Francisco batuca na caixinha de fósforos um samba antigo e com olhos marejados lhe pede perdão.
 Olho de soslaio, para não parecer intrometida e só vejo os braços abertos de Aurora enlaçarem o corpo cansado do amado, com açúcar, com afeto.

Ai meu Deus! E o Carlos que não chega. Ficou de me ajudar as selecionar alguns contos meus para o concurso em Parati e até agora nada!
O garçom já traz outra cerveja. –Vou experimentar a de trigo agora, por favor.

Solitário e sem dupla, quase atrapalhando a passagem para o wc, Rick cantarola:
    -“Garçom me traga outra garrafa de cerveja. Vou ficar sozinho nesta mesa. Eu quero beber e chorar por ela...”.

Um rapaz se aproxima da minha mesa. Bandana na cabeça, sorriso de moleque e me confidencia:
      - “procuro amigos de bar, papos desconexos. Procuro um par. De novo o velho sexo, fedendo a vexames. Procuro alguém para amar!”
Sorrio desconsertada, ele se vira e encontra seu par.

Finalmente Carlos chega e junto com ele o cheiro forte de cebola e alho, tempero da carne de sol que havia pedido enquanto o esperava. Pede mais um copo e uma farofa de pequi para acompanhar. Abre meu caderno, agora cheio das anotações feitas no bar. Lê a frase de Nietzsche e diz: - vamos lá ver o que você fez com a sua embriaguez.


Márcia Sartorelo Carneiro




segunda-feira, 23 de maio de 2011

Poema concreto

 Gato           rato
    Gato     rato
       Gato rato
          Grato!





Raposa           galo
     Raposa        galo
          Raposa     galo
               Raposa  galo
                  Cruzeiro!!!
                                                                   

domingo, 24 de abril de 2011

Na beira da estrada





          Caminho distraída pela estradinha de terra arenosa. Serpenteia o rio cipó ao longe, armando o bote para despencar rochedo abaixo em forma de cachoeira. As flores sempre vivas enfeitam as margens sombreadas por ipês, quaresmeiras, canelas-de ema. Cavaleiros passam apressados em direção à cachoeira da Farofa levantando poeira e lançando montículos pastosos e fedorentos a demarcar o percurso.

         Assento-me numa pedra, beira de um curso d’água para refrescar os pés e a garganta. Aproveito para comer uma barrinha de cereal - energia com pouca caloria.

         Uma cor azul borboleteia pelos caminhos e pousa num objeto meio escondido, meio aparecido à beira da estrada. Vou ver do que se trata.
-         Um baú abandonado!... ou terá sido colocado aí propositalmente?... Alguém pode voltar para buscá-lo...não mexa nas coisas dos outros...mas dá uma vontade...

Não tem fechadura. Abro.

Muitos papeis. Palavras soltas: cerimonial, buffet, segurança, música, decoração, convites, daminhas, pajem, cabelo, maquiagem, vestido de mãe de noiva.

Vou retirando um a um. Lanço-os num canto da estrada.

          Resta um: – casamento. No verso, noivo e noiva.
 Fecho o baú. Deixo guardada esta última palavra a germinar outras letras.

          A borboleta azuleia meu caminho. Sigo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Gaveta do tempo



       O puxador era de metal dourado, em forma de U, rebuscado e torneado, um pouco gasto pelo manuseio e pelo tempo. Tomei-o com prazer e receio e, num movimento suave, abri a gaveta da cômoda.   Saltou-me aos olhos um pequeno cartão, com um bebê estampado, que dizia:
Participo o nascimento de Márcia, em Além Paraíba, no dia 29 –01- 1954.
J. C. C. e família.
        Olhei aqueles guardados com olhos de recém nascida: curiosa, novidadeira. Num embrulho amarelado, muitas fotografias: a alegria do primeiro ano, a introspecção da primeira comunhão, a altivez do discurso de formatura na quarta série, as férias com a família, a algazarra dos amigos na praça em V.R.B., a ilusão da fantasia no carnaval, a expectativa no baile de debutante. Registros de infância e adolescência. Saudades de mim.
         Avancei as mãos gaveta adentro e encontrei um pedaço de crochê, tecido com fina linha mercê-crochê, n.0. Renda de minhas invenções a contornar vazios deixados por minhas perguntas adolescentes.Dobrei o trabalho trançado e prossegui.
          Uma partitura se fez ouvir – Primeira carícia, noturno, de C. de Crescenzo. Meus de dos a acariciaram enquanto ouvi-me tocar ao piano treinando as ligaduras de expressão, o uso dos pedais, o pianíssimo.
         Levantei as mãos e vi que estavam sujas de tinta. O tubo fechado e esquecido havia entornado seu conteúdo nos papeis colorindo-os como singelas aquarelas.
Limpei as mãos no pedaço de papel de seda, não sem antes admirar o desenho que serviu e modelo para os bordados das toalhas de mesa de meu enxoval.
          No fundo da gaveta, “Monsieur Vincent embrasse sa femme”, é uma frase da página solta do meu livro de francês do ginásio.Quero estar em Paris, no alto da torre Eiffel.
          Dentro de um envelope pardo um xerox do Decameron, de Bocage, junto com a Ellenika, dos meus estudos de grego arcaico. Outras línguas e a mesma falta de palavras.
           Encontrei num canto da gaveta, meio amarrotado, o texto que escrevi na Oficina de Criação literária.- Meu encontro com Tom Jobim. Sorrio. Cheiro de terra molhada a germinar sementes. Fechei a gaveta.
No movimento, um pequeno recorte de jornal espirrou para fora. Recolhi e li: “Quando mais nada resistir que valha a pena de viver......
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.”
Carlos Pena Filho.
Empurrei o papel gaveta adentro. Fechei os olhos e suspirei. Que venha o acaso.

Márcia Sartorelo Carneiro.
            .


domingo, 10 de abril de 2011

Gato



          Minha amiga tem um gato.Viaja da fazenda à casa da cidade enroscado no banco do carona. A maritaca ela carrega no ombro esquerdo e o cachorro refestelado no banco de trás.
Quem ouve falar fica pensando, e temendo, que o cachorro resolva pegar o gato, e este por sua vez a maritaca e...nem é bom pensar.
Mas eles obedecem ao combinado: cada um no seu pedaço e todos no coração de minha amiga.

          Um dia, conversando ao telefone, ela me disse:
-         Márcia estive matutando...quando eu morrer acho que vou deixar o Dodi de herança para você.
-         Dodi, o gato?
-         É, ele mesmo. Com seu espírito independente você combina mais com gatos...são mais livres, menos apegados ao dono.

          Eu pensei cá comigo: nisto ela tem razão. Não gosto mesmo de cachorro me seguindo para todo lado, obedecendo, abanando rabo, com aquela cara de pidão. O gato é misterioso, arisco, quase rebelde.         .

          Aceitei a herança, na esperança de que ela não morra tão cedo. De preferência depois de mim.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

José



José era carpinteiro.Fazia móveis, caibros e cumeeiras de telhado.

Nos domingos de folga pegava os restos da madeira e esculpia imagens. As mãos calejadas do trabalho duro, com farpas e cortes a marcar a pele, surpreendentemente, pareciam acariciar a peça de imbuia. Os dedos deslizavam pela pele rugosa da madeira fazendo saltar os músculos e veias, formas e vestes de imagens religiosas.

Um dia resolveu fazer sua própria imagem. Mirou-se no espelho da sala, desenhou mentalmente seus traços mais marcantes, buscou a expressão mais santificada e pôs-se a trabalhar.Neste mesmo dia, sua Maria anunciou que estava grávida de um menino enviado por Deus.

José trabalhou com afinco, pois a família iria aumentar, mas nas horas ociosas continuava a lavrar sua imagem com devoção.

Maria tecia e José talhava.

Passaram-se os nove meses. O menino nasceu. O santo José estava pronto.

domingo, 3 de abril de 2011

Menino verão

Meu menino - minha lembrança.
Fotografia na estante.
Só durou um instante.
Só foi verão.
Quente, saliente, ardente.
Roubou goiaba, nadou no rio,
Pescou lambari, riu de repente.
Depois se foi.
Como estação.
Fez-se outono em meu coração.

terça-feira, 22 de março de 2011

A sombra mágica

Quis acordá-la.

Dormia na sombra de um livro raro.

Como desencantar a palavra adormecida

Que desvenda os segredos do mundo? Da vida?

Gritei, sacudi, iluminei.

Acariciei levemente suas formas.

Ela espreguiçou, abriu os olhos e sorriu.

Achei que a encontrara!

Mas quando olhei, na sombra de um livro raro,

Outra palavra se aninhara e adormecera.

Quis acordá-la.

Márcia Sartorelo Carneiro

(Brincando com A Palavra Mágica, de Carlos Drummond de Andrade.)

terça-feira, 8 de março de 2011

O dia em que encontrei Leonardo

- Buon giorno! Scusate, signore, sono in ritardo!

Ele raspou a garganta e continuou a pintar.

Dirigi-me até meu cavalete, arranjei a tela em branco, abri minha caixa de tintas a óleo, dispus os pinceis no apoio e comecei a ordenar as cores na paleta.

Olhei ao redor. Estávamos os dois em seu atelier instalado numa das salas do palácio dos Médici, em Florença. O cheiro forte de tinta e terebintina me agradava tanto quanto as cortinas de brocado e seda que escorriam pelas paredes. Grandes janelas deixavam entrar a luz natural e ele, de calça de veludo e camisa comprida, desalinhada e suja, me olhava complacente.

- Signore da Vinci me ensine a pintar...como esparramar a profundidade na tela...

- A pintura é poesia que se vê e não se escuta e a poesia é uma pintura que se escuta e não se vê, disse solenemente.

Senti-me desfalecer de prazer com suas palavras. Ele parecia querer conversar, contar-me coisas que escrevia no seu Trattato della Pittura. Eu larguei os pinceis e ouvi atentamente.

-Estou escrevendo sobre pintura e poesia e posso lhe dizer que a pintura representa com mais verdade e certeza as obras da natureza. E, na minha opinião, é mais admirável a ciência que representa as obras da natureza (a pintura, evidentemente) que aquela que representa as obras do homem, que são as palavras, como é a poesia, e igualmente os que passam pela língua humana.

Estremeci de prazer e indignação.A força de suas palavras me comovia, mas eu, projeto de poeta (e psicanalista), não podia certamente concordar com sua admiração que privilegiava a pintura em detrimento das outras artes.

Mas ele continuou:

-A pintura é poesia muda e a poesia é pintura cega, e ambas estão imitando a natureza.

Achei meio contraditório. Ele não tinha dito que a poesia representa as obras do homem (a linguagem)? E essa agora... “imitando a natureza...”

Fiz cara de desentendida e resolvi fazer-lhe uma pergunta, durante a pausa que ele havia feito para retocar as mãos da virgem da Anunciação.

_ Mas, signore, tudo isto que o senhor anda inventado, não só no mundo da pintura, como na arquitetura e no desenho, mas , também suas invenções como o barco movido à roda de pá, o pára-quedas, o helicóptero, armas de fogo, metralhadoras, canhões, pontes suspensas e outras mais...tudo isto é resultado de sua genialidade ou o aperfeiçoamento de obras criadas por outras pessoas anteriormente?

Ele me olhou entre surpreendido e enfurecido. Respirou profundamente, lavou o pincel com terebintina e disse:

- Figlia mia, não sou um visionário no deserto como muitos acreditam.Estudo há anos os trabalhos de Francesco di Giorgio do qual ilustrei muitas de suas invenções (como o pára-quedas, helicóptero, canais e aquedutos) . Este, por sua vez tinha aperfeiçoado os conhecimentos de Mariano de Jacopo, detto il Taccola, que, entre 1430 e 1454, produziu uma série de desenhos espantosos em 2 volumes, De ingeneis e De machinis, cuja amplidão de conhecimentos é extraordinária.

Admirada com sua sabedoria e humildade quis sabe ainda mais:

- E como Leon Battista Alberti influenciou sua pintura? perguntei indiscreta.

Havia lido alguma coisa no Della pittura (1435) e reconhecido lá o pensamento de da Vinci.

- Realmente, o De Pictura nos deu a primeira exposição racional e sistemática das regras da perspectiva, que eu mesmo utilizo no meu trabalho e tratado sobre a pintura, disse da Vinci. Alberti foi grande gênio!!!

Passeou pelo atelier pensativo e, sorrindo, me disse:

- Mas Alberti não foi também tão original ! Assim como todos nós ele bebeu noutras fontes para fazer suas descobertas!

Outras fontes, pensei eu, com a boca seca de tanto aberta pela surpresa.

- Tudo o que “inventamos” já estava nos livros chineses, o NUNG SHU, produzido em massa em 1313 pelos chineses!

- Chineses?! gritei eu.

- Fale baixo, signora, pediu respeitosamente Leonardo.

E num tom de confidência continuou:

- Sim, em 1434, um grande navegador chinês Zheng He e sua frota chegaram a Florença e deixaram para trás uma enorme quantidade de conhecimentos que incluía mapas e documentos de astronomia, matemática, arte, arquitetura e impressão. Ele inclusive já havia dado a volta ao mundo e descoberto a América muito antes dos europeus. E foi daí que surgiram as grandes invenções do renascimento.

- Sant’Ana, a Virgem e o Menino!! precisei invocar o trio para me ajudar nesta hora de absoluto naufrágio psíquico.

Minhas idéias estavam todas fora do lugar, assim como os braços e pernas que se sacudiam sem direção. Olhei perplexa para Leonardo.

Ele pediu que não revelasse essas informações antes do ano de 2011. Não disse o motivo. Concordei solícita.

Para me acalmar sugeriu que iniciássemos nossa aula prática de pintura renascentista começando pelo ponto de fuga. E lá fui eu entre traços e cores aprendendo a “ pintura como poesia muda”.

Ao sair do atelier, já bem tarde da noite, vi, esboçado no espelho de vestíbulo, o misterioso e sfumato sorriso da Mona Lisa.

Compreendi que agora nós duas sabíamos os segredos de Leonardo.

domingo, 6 de março de 2011

Meu encontro com Tom Jobim

Chegou por e-mail o convite do Tom para comemorar o aniversário da Bossa Nova, em Santa Teresa, reduto da boemia belorizontina.

Dizia sobre a importância da data, o horário, local e acrescentava ao final: “chega de saudade. Não quero mais este negócio de você longe de mim!”

Bj. Tom.

Respondi imediatamente confirmando o encontro:

Ah.. "se todos fossem iguais a vc...” fizessem convites assim tão agradáveis para trilhar esta "estrada do sol" em Santa Teresa.. para curtir esta "inútil paisagem" à beira de um bar. Tomara que não esteja "chovendo na roseira" pois estas "águas de março “, teimam em cair em janeiro. Que bom que encontraremos as Ligias, Luizas e Terezas da praia. Não ligue pra esta "insensatez". É só pra dizer que estarei lá !!!

Bj.. Márcia.

E fui. Vesti-me de festa: a agitação tomou conta de mim. “È promessa de vida no meu coração!...” meu corpo todo vibrava... será que agora ele assumiria de verdade o amor? E aquele final do e-mail... chega de saudade!! Será?,

No caminho pensava comigo mesma: “ já conheço os passos desta estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor... já conheço as pedras do caminho...”

Ah, deixa pra lá, pensava também, no fim sobra sempre um retrato em branco e preto... de recordação!

Achei logo uma vaga para estacionar bem perto do Marilton’s e ao fazer a manobra escutei um assobio e no fundo alguém que dizia: “olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela que vem e que passa com seu doce balanço a caminho do bar...”

Era ele. Assentado me esperava com seu chapéu panamá, terno branco de linho, sorriso misterioso e o olhar...ah, o olhar! “Este seu olhar quando encontra o meu, fala de coisas que eu nem posso acreditar!” Misericórdia!! Assentei.

Ele me disse enlevado: “vem cá, me dê tua mão. O teu desejo é sempre o meu desejo. Vem, me exorciza. Dá-me tua boca e a rosa louca. Vem me dar um beijo...”

Me entreguei nos seus braços e lábios e me perdi de tanto amor.

Depois de agradecer ao garçom pelo chope que ele prontamente me trouxe, disse sorrindo:

-“É, só eu sei, quanto amor eu guardei, sem saber que era só pra você.”

-“Que maravilha viver”, ele suspirava, entre um gole e outro.’

A noite, as pessoas, as vozes, os risos, os chopes, os sons e as cores fizeram cenário para este encontro de palavras e gestos, de melodias e tons. Até que lá pelas tantas, escutei baixinho:

-“ É de manhã. Quero que você me dê a mão. Vamos sair pra ver o sol”...

Alguém esbarrou em mim e eu percebi que os garçons já recolhiam os copos, colocavam as cadeiras pra cima das mesas, limpavam o chão e o quarteto Bossa Nova guardava seus instrumentos depois do último acorde.

O dia realmente nascia sonolento e na mesa o jornal do dia estampava na primeira folha a fotografia da comemoração esplendorosa dos 50 anos da Bossa Nova, no Marilton’s, em Santa Teresa.

Retrato em branco e preto...pensei eu enquanto segurava o chapéu panamá branco de minhas lembranças.

Márcia Sartorelo Carneiro.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Minha sandália

Queria escrever uma poesia para ela mas, não sei por onde começar.

Quem sabe dos pés! É claro, ela não era outra coisa senão pés!

Não, pensando bem ela tinha um corpo, e até um coração que arrebentou para que ela pudesse morrer...Ou terá sido a cabeça?

Não, ela não tinha dessas dicotomias, apesar de ser um par!

O fato é que eu entrava nela e me fazia uma só com ela. O pedaço de terra que ela pisava era o meu pedaço, o nosso pedaço.

Ninguém nunca teve uma relação tão empática comigo (daquelas “ver com os olhos do outro”) como ela. Só que ela pisava com os meus pés!

E nós andávamos juntas e corríamos juntas. Ela se engasgava com a areia da praia e eu a banhava na água salgada do mar, ela se secava ao vento para novamente ser engolida pela areia.

Foi no mar que ela nasceu, ou melhor, que nasceu o meu amor por ela.

Quantas vezes eu a castiguei fazendo pisar aquelas pedras quentes de Santa Mônica e ela nem reclamava. Ela até me dava coragem para continuar a caminhada.

Ela também estava comigo quando beijei o Carlinhos pela primeira vez e me confessou depois que tinha visto tudo apesar de eu tê-la escondido debaixo da cadeira do cinema.

Depois ela começou a freqüentar as aulas comigo. Sempre muito discreta, não fazia barulho ao entrar na sala, mas todos a notavam. A Bia até me disse que ela lhe trazia uma certa tranqüilidade.Realmente ela era muito segura de si, tinha sempre os pés no chão, mas bem que ela gostava quando eu a fazia dar cambalhotas no ar.

Um dia ela conheceu o rio. Bebeu de sua água doce, tomou a espuma de suas quedas. E se afundou no verde das matas, se afogou na poeira do chão.

Deitou-se de frente para o sol e escancarou bem os olhos...mas ela era meio esquisita, pois, ao invés de se brozear ao sol,ela desbotou.

Nesta época os sinais de velhice começaram a aparecer, umas rugas ali, outras acolá, sua pele começou a ficar esbranquiçada, cheia de pintas. Aí eu desconfiei que ela estava com saudades do mar e resolvemos então fazer uma viagem de repouso.

E vocês não imaginam a felicidade dela quando viu o mar! Aquela sua boca larga, já gasta pelo tempo, se abriu num sorriso enorme...único...último.

Sacudi-a, tentei fechar-lhe um pouco a boca, remendá-la, mas nada.Ela não tinha mais vida.

Desesperada olhei-a bem nos olhos e ela num último esforço, sempre rindo aquele sorriso enorme, piscou e pediu-me que a enterrasse no mar.

E eu assim fiz.

E foi no mar que ela morreu, ou melhor, que nasceu esta saudade dela.

BH. 16- 11- 1976.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Inspiração

Meu sobrinho, blogueiro do terceiro milênio, diz que para ter inspiração fica em cima da bola...sobe nela e fica assim pensando... e a inspiração passa e ele pega!

Eu como ando sem grandes ideias fiquei pensando em usar a mesma técnica. Então lembrei dos meus ligamentos...ou da falta deles...e desisti !

Nesse negócio de bola eu estou fora..

Vou procurar outro lugar para subir!