quarta-feira, 17 de abril de 2013

Palavras e coisas






Eu sou a pedra no meio do caminho!
Aquela que o poeta versou.
Vivo em bocas literatas.
Minha existência é metafórica.
 Muitos, vi voltarem desesperados seu caminho.
Outros,vi contornarem indecisos minhas arestas.
Tantos outros, vi paralisados diante do poder a mim atribuído.
Oh! Retinas fatigadas!
Queria mesmo ser pedra preciosa.
Destas que moram no colo das mulheres a emprestar-lhes seu brilho.
Ou perambulam pelos ares presas aos anéis em dedos móveis.
Ou adormecem nos furinhos das orelhas macias.
Mas eu sou a pedra no meio do caminho!
Não sou coisa dependurada, objeto de decoração, enfeite.
Sou palavra inventada, escritura forjada, acontecimento.
Melhor assim.
Nunca me esquecerei.
Eu sou a pedra no meio do caminho!





terça-feira, 9 de abril de 2013

Casa dos milagres



      No alto de uma falésia a beira mar, ergueu-se uma capela chamada de Nossa Senhora das Pedras. Era o ano de 1763, no litoral sul da Paraíba. Contam que um navio português quase naufragou naqueles mares e a capela foi construída, em agradecimento, pelos sobreviventes.

      Hoje o nome mudou para Nossa Senhora da Penha e uma igreja maior foi construída, ao lado, para receber os peregrinos que fazem longas caminhadas movidos pela fé e devoção à santa. Mas a pequena capela continua lá, singela e fresca, com vista para o mar.

      Passei lá outro dia. Estava vazia; o sol forte, a vista bela, muitos avisos de não acender velas e muitas velas acesas a iluminar os avisos. Andei pelos arredores e encontrei uma casa, portas e janelas abertas, nome escrito na fachada : casa dos milagres.

      Entrei num salão bem grande, com três bancadas enormes, duas nos cantos e uma no centro. Vi primeiro a do centro, cheia de casas. Miniaturas. Umas pequenas, outras maiores, de papelão, madeira, com varanda, chaminé, outras de um cômodo só ou de quatro quartos. Empilhadas. Feito favela no morro, escalavam umas às outras, se segurando e equilibrando não sei como. À minha direita, muitas próteses, pernas, braços, cabeças, mãos de cera , uniformes de policial, avental de enfermeira. À esquerda, muitas fotografias, centenas. Uma me chamou atenção . Era uma propaganda eleitoral de uma candidata a vereadora. Eleita; fiquei sabendo depois.

      Incontáveis milagres, histórias de dor e superação ali expostas para meu espanto e certo incômodo. Restos da fé.

      Enquanto eu olhava com curiosidade cada peça e imaginava seus segredos, uma senhora entrou trazendo pequeno objeto, que depositou junto às casinhas. Olhei. Era uma pérola. Ela saiu se dirigindo à capela para rezar. Segui-a. Fiquei do lado de fora. Assentada numa pedra na encosta eu olhava o mar em seu infinito azul e me perguntava sobre aquele objeto, tão inusitado, deixado na casa dos milagres. Uma casinha lá deixada dava para entender...remetia à aquisição de uma moradia, pelo devoto; se financiada pelo Minha casa, minha vida, então, verdadeiro milagre! Uma perna de cera também  podia  resultar da cura de alguma erisipela no precário hospital municipal- outro verdadeiro milagre!

Mas, e a pérola?

      Escutava o barulho das águas se arrastando nas pedras quando a senhora, tendo acabado sua reza, assentou-se ao meu lado. Olhei-a como uma interrogação e ela, com serenidade, me disse: quando entra um grão de areia ou outra substância indesejável no interior da ostra, as células de nácar começam a trabalhar e cobrem o grão de areia com camadas para proteger o corpo indefeso da ostra. Esta ferida cicatrizada é a pérola!  Joia feita de trabalho, de bordado da dor. Assim aconteceu comigo.

      A água do mar espumava seu riso, a prata do entardecer se derramava no infinito, sua mão se abriu em concha e nos cumprimentamos com emoção.