Assento no banco da praça. Olho
os passantes distraída. As maritacas conversam animadamente nas árvores. Os
cães passeiam seus donos. Os manacás primaveram cores e perfumes.
Avisto duas senhoras, meia idade,
que fazem sua caminhada matinal. Usam bermuda colada nas pernas finas e amplas
blusas coloridas e estampadas cobrindo a parte superior do corpo gordo e
banhudo. Lembram peras psicodélicas.
Caminham e conversam, arfam e
avançam decididos passos no intuito de perder calorias. Observo de longe.
Quando passam perto do banco onde me encontro ouço lasanhas e molhos, doces de
manga talhada para aproveitar a fartura da época, e recomendações médicas sobre
alfaces e melancias, caminhadas e academia. Fragmentos de conversas sobre netos
, filhos e noras. Escuto uma ponta de
mágoa dirigida ao marido, desconfiança, traição, talvez... Aguço os ouvidos.
Uma jovem secretária que se insinua ...nua...
De repente o barulho da sirene do carro de
polícia invade a praça. Estacionam e abordam as duas peras psicodélicas.
Conversam, gesticulam, mostram documentos.
Meu Deus, o que aqueles policiais
fazem nesta história?! Eles eram personagens de outro conto que estou
escrevendo e aparecem assim, sem aviso, intimidando duas senhoras que,simplesmente,
caminham sua boa reputação pela praça!
Aproximo da cena e chamo os
policiais pelo nome- sargento Rodrigo, cabo Walerson! Parecem me ignorar. As
senhoras amedrontadas perguntam sobre a acusação que têm contra elas. Chamo de
novo pelo nome, grito, pego uma borracha para desmanchar, uma caneta pra
riscar, aperto a tecla deletar. Ignoram-me fortemente.
Colocam as senhoras na viatura e
arrancam cantando pneus. Estarrecida ouço a sirene desaparecer ao longe. Meus
personagens não são mais meus!
No dia seguinte, no mesmo banco,
abro o jornal e leio, no caderno policial, a manchete:
Policiais enciumados prendem
peras psicodélicas sob acusação de roubo de palavras e da dedicação do escritor
às suas próprias histórias.
E sob a fotografia das duas
coloridas lia-se:
De volta à liberdade e à praça as senhoras se
comprometeram a levar sua vidinha medíocre sem desejo de participar de
quaisquer histórias ou aventuras.
Esse seu texto é surpreendente, Márcia! Começa crítico, irônico, um voyeurismo interessante. De repente foge ao controle da autora, do leitor e fica bem maluco, bem interessante. Ao mesmo tempo, tem muita coerência e muito humor. Dos melhores e fugindo à sua crônica conhecida. Dei boas gargalhadas com ele, o que, por si só, já valeu a pena.
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