quarta-feira, 21 de abril de 2010

Irresistível Rosalva

Irresistível Rosalva Hoje acordei dia nascendo claro, peguei minha bicicleta com meus apetrechos de amolar facas, alicates e afins e fui zunindo, apertando a cintura do vento que teimava em levantar a poeira do caminho, rumo ao povoado de Tapipó, na beira do rio Pongó. Cheguei cedo. O sino da igreja chamava para a missa das sete e as carolas se aglomeravam na escadaria do adro. Enquanto isto, o bonitão do Eufrásio, assim era conhecido no lugar, abria a padaria com cheiro de café quente e pão fresquinho, depois de uma noite bem dormida com a dama da noite que morava em seu quintal. Aproximei-me para forrar a barriga que roncava e saber das novidades acontecidas. Foi quando fiquei sabendo pelo Eufrásio que padre Nonato, com sua fama de pastor de ovelhas de Tapipó estava criando o maior desarranjo porque queria botar pra fora da cidade a Rosalva , mulher da vida, como se dizia e também o Sansão, vira lata que gostava de se esfregar nas pernas da beata D. Maroca e não a deixava em paz. Essa vida sexual intensa e desregrada, de Rosalva e Sansão é coisa do diabo, depõe contra a moral e os bons costumes de tão ordeiro povoado, me disse o Eufrásio, repetindo as palavras do padre, não sem antes ajeitar os cabelos e o bigode num espelho velho pendurado na caixa registradora. _ Mas e o povo, o que tá achando disto? _ Tá o maior quiproquó, homem.Vão se reunir na igreja depois da missa das sete pra conversar. Enquanto escutava o bonitão vi passar na frente do bar a Rosalva, vestindo seu melhor decote, seguida pelo professor Anísio com seus óculos e chapéu coco e o Bate-pau, homem de vida desregrada que vivia por conta da bebida e de mulheres acompanhados de perto pelo Sansão que sacudia o rabo e abanava a orelha a cada passada indo em direção à Igreja. Curiosos, Eufrásio e eu, corremos atrás do cortejo. Igreja lotada. Burburinho total. Todos falavam ao mesmo tempo, argumentando, criticando, botando lenha na fogueira, ironizando. Silêncio. Ordem no recinto. O padre ao microfone puxou o terço dos argumentos bíblicos contra a depravação sexual dos acusados exigindo a retirada dos pecadores não arrependidos da cidade. É o diabo, gritava, se juntando às palmas entusiasmadas, gritinhos histéricos das carolas e anuências cínicas dos homens de bem. O professor Anísio pediu a palavra e desfilou eloquência citando desde o Banquete, de Platão até a psicanálise, de Freud para finalmente chegar à declaração dos direitos humanos e aos seus artigos contra qualquer discriminação. É crime, dizia, enquanto era ovacionado pelos cidadãos mais progressistas do povoado. Rosalva olhava assustada sem perder sua altivez enquanto Sansão fazia um xixi aqui outro acolá farejando as pernas de D. Maroca que se retorcia de aflição. E foi quando o Bate-pau pediu a palavra e começou tropegamente a falar, desafiar e desfiar causos libidinosos referentes aos senhores de bem e às carolas, pois disto ele tinha conhecimento, que eu encontrei os olhos de Rosalva já cansada de tanto palavrório. A um sinal meu correu para fora da igreja e na garupa de minha bicicleta seguiu comigo para exercer seu ofício longe dos maus dizeres alheios. Seguindo o rastro da bicicleta Sansão rolava na poeira latindo para as pernas das moças do lugar. Rosalva depois me contou que enquanto o palavrório corria solto ela só pensava em quem aquela noite acolheria seu desejo de mulher. Márcia Sartorelo Carneiro.

2 comentários:

  1. Bons tempos em que o perigo se apresentava nos modos da vida de moça fácil.
    Será que ainda existe uma Tapipó e o seu cotidiano?
    Bj. Bia

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  2. Essa história me remeteu a dois sentimentos contraditórios. De um lado, aquela sensação saudosa do tempo do sossego, a vida simples das coisas do interior, do tempo das cidades que se atravessava de bicicleta. Do outro, a mentalidade tacanha da gentinha que fazia desses lugares paradisíacos a porta de entrada do inferno. Êta mundão!

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