quinta-feira, 20 de maio de 2010
O homem que lia
Morava na roça, lá pelas bandas do Guiricema, no interior de Minas Gerais. Chamava-se Joaquim. Tinha família: cinco filhos, mulher e sogra; umas galinhas poucas, uns porcos gordos e um milharal de fazer inveja a espantalho: imenso, louros fios de espigas brilhantes.
Vidinha singela a cuidar da criação e da plantação enquanto os filhos corriam soltos e sujos pelo quintal, a mulher ocupada com os afazeres da casa, da roupa, da comida, do banho, das fraldas.A sogra pitando seu cigarrinho de palha matutava sentada no degrau da escada que dava vista pra estrada longa e sem fim.
Quando vinha a noite esta monotonia mudava. Joaquim tirava de dentro de uma caixa de papelão já gasta pelo manuseio um livro - o único que havia por aquelas bandas. Assentava numa velha cadeira de palhinha puída e perto, as crianças alvoroçadas se amontoavam no chão. D. Neca no fogão esquentando a janta e ouvido esticado. A sogra matutando no degrau. Aí começava a ler as estórias do livro vermelho e dourado.
Enquanto lia as crianças encantadas pediam pra repetir tal pedaço, inquiriam –e aí? e depois? e ele fazia uma pausa para respirar ou para dar asas à imaginação. Soltavam gritinhos de medo ou de prazer. Também D Neca no silêncio da cozinha, junto ao estalar da lenha do fogão se emocionava e se orgulhava do marido tão sábio contador de estórias. Aquele livro era mesmo muito bom, dizia, trazia a vida lá de fora, trazia palavras que ninguém conhecia, povoava o lugar com outros personagens, vizinhos, reis, rainhas, ladrões, capitães, madrastas e fantasias mais.
E a velha no degrau escutava entretida.
Vez ou outra tirava também o livro da caixa. Abria, olhava aqueles rabiscos pretos em fila deitados e não conseguia ver passar a estória que Joaquim tanto contava. E voltava a matutar:- onde Joaquim aprendeu a ver as estórias passarem, a ler como se dizia lá na cidade do Guiricema.
Joaquim adivinhando-lhe o pensamento sorria matreiro lembrando do dia em que a única escola rural do lugar havia fechado as portas por falta de professora habilitada. Ele, de uniforme emprestado e chinelo de dedo, não pode assistir ao primeiro e único dia de aula de sua vida.
Márcia Sartorelo Carneiro.
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