domingo, 16 de maio de 2010

Pura poesia

Eu vi! Não era um jaboti, ou tartaruga ou lesma.Nenhum destes bichos que carregam suas casas nas costas. Destes bichos que andam ou nadam pelo mundo arrastando solitariamente sua própria morada. Eu vi como pura poesia! Era um jovem morador de rua, da praça, desta cidade, deste país. Vi com uma estranheza singular - não com indignação pela injustiça deste mundo, nem com revolta pelas desigualdades sociais, nem com indiferença, nem com culpa. Vi como pura poesia! Caminhava pela praça fazendo meu exercício matinal quando vi acordar o morador da praça que havia feito sua cama de papelão debaixo de uma pérgula bordada de flamboyant vermelho. Varria seu território, limpava de copos, garrafas e papéis o lugar. Enquanto isto seu cãozinho, vestido de capa vermelha, pois o frio da noite estava de amargar, latia amarrado a uma árvore. Ao lado da sacola de roupas e de suas latas de água – era lavador de carros - eu vi uma casinha. Mais ou menos quarenta centímetros - madeira pintada de vermelho e branco, dois andares e varandas, cercas baixas para proteger o jardim. Ele fechou suas portas e janelas. Arrastou suas tralhas até a esquina próxima. Enfileirou-as no muro e começou a lavar os carros estacionados na rua. A casinha junto. Agora tinha virado lava jato. Assim passou o dia. À noite, eu vi, o morador de rua, deitado no papelão que lhe esquentava o corpo, abrir janelas e portas de sua casinha, para, adormecido, deixar seus sonhos entrarem. Eu vi como pura poesia! Márcia Sartorelo Carneiro.

Um comentário: