domingo, 4 de julho de 2010

Dançarina

Catarina era pequena, um metro e meio. Cabelos tingidos de preto avermelhado, longos e com alisamento definitivo. Olhos espertos vasculhavam num segundo o salão de dança, procurando não se sabe o quê. Tinha aproximadamente 55 anos sendo um deles de pura viuvez. O marido trabalhara duro até se aposentar e poder curtir a vida. Não durou nem um ano a curtição. Um infarto entupiu seus planos... coitada! Seu médico indicara sair pra refazer a vida, construir novos laços,. Ela havia percorrido todas as escolas de dança de Bh pra ver onde se sentia melhor, onde seria melhor aceita e recebida . Foi ali no Espaço de Dança que ela resolveu ficar e iniciar-se nos mistérios da dança de salão. Bolero, forró , samba , salsa ,soltinho e o que mais viesse ela toparia , desde que fosse no seu ritmo, aprendizado lento, sem afobações juvenis. Pra se distrair, como ela dizia. Tempo passou e seu olhar, antes nistagmático, começou a pousar devagarinho num moço ( modo de dizer...era um coroa dos seus sessenta anos, alto , forte, engenheiro elétrico, sorriso maroto, conquistador, conversado). E ela pensava ...ah como gosto quando ele entra e risca com o olhar o salão e nossos olhos se encontram... A professora dizia:- vamos trocar de par. E de repente, lá estavam os dois num abraço meio desajeitado, ela com os bracinhos na cintura dele...ele meio curvado tentando encaixar aquela pequenez no seu corpo... ela na pontinha dos pés querendo parecer grande...ele conduzindo compenetrado a dama pelo salão tentando acertar o ritmo..Seria cômico se não pressentíssemos o amor nascente, o desejo se insinuando (pelo menos da parte dela.).Seria trágico se não percebêssemos as insinuações dele.É amizade ou namoro, perguntava alguém. È namoro, dizia ele. E ela se sentia desfalecer. Certo dia a professora pediu que as mulheres dançassem de olhos fechados para melhor se deixarem conduzir. Ela imediatamente fechou os dela e ele sussurrou:- vou te beijar. Ela abriu num segundo e disse:- ai que medo! Riram os dois. Assim seguia Catarina, pequena dançarina.Tinha jeito, a danada.Fazia de seus movimentos um instrumento a mais a tocar acompanhando a música...no mesmo compasso...mesmo tom....mesma melodia. Um dia saíram juntos da escola de dança pra pegarem os respectivos carros que estavam estacionados próximos e ele, ao vê-la abrir o carro, entrou e se assentou ao lado dela. Ficaram ali conversando e ouvindo música.Ela tinha gravado um cd com boleros e salsas espetaculares.Ele queria um beijo. Ela pensou no finado marido, nos filhos, na empregada, no cachorro, papagaio, formigas e até na baratas que as vezes apareciam na sua casa..Cruzes que estes pensamentos são incompatíveis com situação tão romântica!! Mas ela pensou e rapidamente dispensou e beijou-o com paixão.Ele meio confuso disse que estava voltando para a antiga namorada....e a beijava mais intensamente. Que tinha também conhecido uma outra pessoa, colega de trabalho, com quem estava saindo... e a beijava mais intensamente. Ela perdida nos beijos que há muito não experimentava se deliciava e se indignava. Até que num dado intervalo disse:- olha que eu não sou mulher de ficar na fila esperando homem... e vc me colocou em terceiro lugar...primeiro a antiga namorada... segundo a colega de trabalho...Ora, eu estou acostumada a ficar sempre em primeiro...alguma vantagem devo levar em ser pequena! Abriu a porta do carro, mandou-o descer e arrancou. Ficou com gosto de decepção na boca. O bom é que agora já sabe dançar. Márcia Sartorelo Carneiro

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