Marina queria conhecer a foz do Rio São Francisco. De um tempo para cá só falava nisto, era foz para lá, foz para cá. Não sabia bem o porquê de tanto desejo, mas era desejo dos bons, decidido e pronto. Dizia que foz é fim de travessia - rio que termina no mar. Dizia que foz é encontro – duas águas que se misturam.
Contava que quando criança seus pais a haviam levado para conhecer a nascente do rio, na serra da Canastra. Um broto de água e um filete a escorrer tímido entre pedras. Molhou os pezinhos, lavou o rostinho e bebeu o doce das águas. De mãos dadas com os pais viu nascer o rio e o riso.
Contava que na juventude havia navegado em suas águas de Pirapora a Januária. O vapor Benjamim Guimarães a levara, junto com seus sonhos e amores, entre o nascer e o por-do-sol, entre o apagar das luzes e o brilho da lua cheia. Deslizou na lâmina prateada, viu peixes saltitando, viu ribeirinhos entrando e saindo com suas sofridas vidas, crianças correndo nas margens em abano de mão ou venda de doces.
Soube, então, que as águas que passavam nunca eram as mesmas. Acontecimento único, singular.
Agora, nos idos de seus cinqüenta e poucos anos, Marina foi à foz e me contou. Em Alagoas, estado de lindas praias, longo e belo litoral, tomou um barco e navegou velho Chico adentro. Margens largas abraçavam águas caudalosas, límpidas e potentes. O barco rompia sereno a lâmina da superfície, e enquanto Marina olhava aquele mundo líquido, um êxtase tomou conta de seu corpo. Um instante e ela era água e rio. E riso!
Dunas de areia fina e dourada emolduravam o encontro de rio e mar. Coqueiros lançavam uma pitada de verde sobre o ouro.
O barco cada vez mais próximo...e a foz se fez encontro belo e bom!
Marina me disse que esperava encontro mais agitado, quase desencontro, confessou. Mas o que viu foi encontro doce e sereno. O velho Chico foi chegando forte, mas manso. Virou mistura de rio e mar, mais mar, agora. E riso!
Marina lançou-se em suas águas ainda doces, mergulhou, sentiu o frescor e o sabor de suas águas e repousou no leito denso do rio.
Depois, estirada em suas margens de douradas dunas, Marina disse baixinho:... e a foz se faz de sonho e nada mais!
Foi assim que ela me contou. E rio!
Gostei até do nome da personagem, marítimo, de águas e risos, como o texto. Sua escrita tem muito desses encontros suaves, aguardados, diluídos no passar das águas, do tempo. Líquido, leve. Ondas da escrita em seu fluxo natural, contagiante. Reescritas.
ResponderExcluirBonito e tocante, como são seus escritos, Marcinha.
ResponderExcluirA história de um rio que atravessa uma vida, e da vida que se espelha no rio.
Lindo encontro.
Marina foi o nome que escolhi...se é que a gente escolhe nomes...parece que o mar me escolheu desde sempre...e quem ouviu aceitou. Minha neta, olhos agudos, clareza rara, profundeza estranha, Marina conta à gente, como a Marina de seus escritos, o que a gente sabe mas não quis ouvir. Lindo texto, Márcia!
ResponderExcluirÂngela, se é que a gente escolhe nomes também foi este o que escolhi...Marina...desde sempre o mar...e cia!
ExcluirEm breve vc receberá convite para lançamento de livro meu e de amigos, ainda em novembro, dia 27, espero vc lá!