Meu marido não
falou palavra. Entrou naquela canoa, adentrou o rio feito jacaré deslizando em
águas e partiu. Sim, partiu de ir embora, partiu de fazer corte. “Cê vai, ocê
fica, você nunca volte”, gritei! Vai pedaço de mim que boia no oco do pau nas
águas do rio...vai!
Não foi por causa
de mulher- outra. Não foi por desavença ou desamor. Mas foi! Me faz
estranhezas, isso de não ter motivo. Me prende às margens olhando o vulto,
alimentando o aguado.
Ficamos.
Três filhos e eu. Quis que não falássemos mais nele. Mas pensávamos. E
sem palavras não podia haver esquecimento. Um vulto de chapéu em canoa no rio
abaixo, rio acima, rio afora é coisa de não se esquecer. É quadro que fixa
ausência – presença na paisagem.
As crianças em
sobressaltos seguiram vidas. Só o mais novo é preso ao pai. Preso de querer ir
com ele água adentro, preso de querer entender o silêncio do pai.
Você nunca volte,
eu tinha dito. Mais para parecer que era minha a última palavra e certa de que
o desejo era dele. Ficar ali no desconhecido da vida, no sem margem, sem terra
firme, sem porto de chegar. E eu ali, agarrada à terra barrenta da margem do
rio, no porto seguro, no previsível da vida.
Filho mais novo
quis trocar de lugar com ele, mas hora certa deu de correr e se afastar. Virou
homem depois deste falimento. Ganhou mundo carregando suas incompletudes.
Agora, resto eu
aqui, de costas para o rio, de costas para o vulto morante em águas, querendo,
eu mesma, partir.
Partir de ir
embora. Partir de fazer corte, talho, escrita na terra da margem do rio.
Márcia Sartorelo Carneiro
passeando por- A terceira margem do rio, J. Guimarães Rosa.
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