Era uma praça da minha Belo Horizonte. Simples, mas acolhedora. Traçado retangular com largos canteiros gramados e floridos. Ipês e palmeiras coloriam e sombreavam pensamentos. Hibiscos e manacás perfumavam os cantos da praça e dos passarinhos que lá faziam seus ninhos.
Encontrei-a pela primeira vez aos quinze anos quando vim morar em BH, na Floresta.
Tudo muito diferente daquele interior onde passei minha infância. Tudo grande, tudo longe, tanto carro, tanto ônibus, tanto desconhecido, tanto a desbravar. Essa pracinha foi um primeiro refúgio para essa vida nova que se anunciava. Servia de braço acolhedor e de impulso para novas aventuras.Viu nascerem meus primeiros amores.Mãos dadas e beijos furtivos passeavam entre seus jardins. Viu nascerem meus primeiros poemas escritos à sombra de um flamboyan.
Passaram-se os anos e agora são meus filhos que brincam ali. A Ju troca brinquedos com a menininha ruiva para experimentar sua boneca-bebê sendo empurrada num carrinho. O Pê aposta corrida de bicicleta com o gordinho e me encontra ofegante para enxugar o suor que escorre pelo seu rosto quente e rosado. Depois sobem juntos na árvore para testar seus músculos e meus nervos. Cenas ternas da infância e maternidade que a pracinha guardou.
Passaram-se os anos e agora ela amanhece cheia de gente caminhando apressada, ofegante, roupa esportiva, tênis, filtro solar. Algumas conversam animadamente enquanto caminham, outras vão ouvindo rádio no fone de ouvido, outras sós com seus pensamentos. Mas todas, sem exceção, parecem querer chegar a algum lugar apesar de não sair do lugar. E rodam, velhos e moços.As crianças continuam no centro brincando, as bicicletas incomodando.
Os bêbados e drogados também fazem pouso nesta praça. Também os lavadores de carro e tomadores de conta de carro. Contrastes se encontram e lá se cristalizam.
Debaixo de uma pérgula enfeitada de flamboyan sempre tem alguém morando ao ar livre. Dormindo num papelão e cobrindo com um cobertor peleja.
Mas este morador agora decide ocupar para sempre o território. Monta toda noite sua casa com paredes de papelão, teto de plástico para proteger da chuva e do lado de fora uma lata de lixo. Tem até um anexo onde dorme seu cachorrinho. De manhã, desmonta sua casa, dobra seus pertences, coloca-os nos bueiros próximos e vai trabalhar de lavador de carro.
Hoje, passei por lá quando voltava da zona eleitoral onde fui votar em presidente, governador e etc. O chão da pracinha estava coalhado de papel: santinho de candidato.
O morador da praça colava os restos da eleição num quadrado de papelão. Uma carinha junto da outra, um número debaixo do outro, saúde, educação, moradia...
Ia enfeitar sua casa.
Uma praça...muitas histórias.
Márcia Sartorelo Carneiro.
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