Maria tece crochê.
Tece há muitos anos textos.
Tece há quase sessenta anos sonhos.
O crochê aprendeu com uma velha tia de seu pai- tia Tita – assim a chamavam. Senhora de seus quase noventa anos arrastava uma cadeira para se movimentar desde que havia fraturado o fêmur numa queda. Formavam uma só pessoa: ela, a cadeira e o crochê. Vivia com agulha e linha trançada no pescoço, o coque prendendo longos cabelos brancos e para ensinar usava a delicadeza.
Maria aos 11 anos tecia palas de camisolas, blusinhas, biquinhos e toalhinhas para enfeitar seus sonhos adolescentes, para contornar os furos abertos e sem respostas, para amarrar os traços dos caminhos feitos, para tramar histórias da vida a ser vivida.
Os textos aprendeu com D. Terezinha no grupo escolar. Primeiro o desenho das letras, o encontro combinado entre elas, as palavras mágicas, o texto tecido tramado. Depois disto tudo, o texto nascido, parece até que já escrito noutro lugar e presentificado com prazer.Quase como um filho, criança, criação.
A ambos – o crochê e os textos - faz com as mãos, ora um, ora outro, nunca os dois ao mesmo tempo.
Os sonhos, como não são aprendidos, ela é que se apreende neles. São eles que a tecem, a tramam, a escrevem. Contam as histórias dela.
Só neles ela pode ao mesmo tempo tecer crochê, textos e desejos.
Maria tem sonhado muito.
Quer comprar uma passagem de navio, mas não entende a língua falada pelo bilheteiro.
Quer viajar de avião, atravessar o mar, mas apresentam-lhe uma lista de exigências para a viagem numa língua que ela não compreende.
Quer comprar um doce de amendoim. A velha vendedora fala coisas incompreensíveis.
Ela quer continuar querendo.
Maria quebrou o bibelô da mãe. Ela quer aparecer aí entre o bibelô e a mãe. Passar de bibelô a mulher tecelã. Crocheteira, escritora, sonhadora.
Maria continua trabalhando...tecendo...sendo...
Márcia Sartorelo Carneiro.
Lindo!!!
ResponderExcluirDe texto em texto, tecendo um livro.