sábado, 20 de dezembro de 2014

Tempo d'espera


Há o tempo da espera
Onde o silêncio respira
Lento, profundo.

Há o tempo da espera
Onde o verso adormece
Quieto, inerte.

Há o tempo da espera
Onde a vida se tece
Pequena, íntima.

Ah! O tempo (des) espera
E a vida rompe,
Se assanha, desassossega.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Ipê


Este ano, os ipês amarelos demoram florescer.
Aqueles que enfeitam o mês em que tu partiste.
As flores ainda estão guardadas em meus olhos fechados.
Esperam abrir a gosto.
Também esperamos tua sobrinha,
Que se faz carne e letra no ventre de tua irmã.
Os fios se tecem lá.
Cá, com minhas mãos e agulha, o fio traça contornos.
Para pezinhos – sapatinhos.
Para cabecinha- gorrinhos.
Mantas para cobrir corpinho.
Laços, fitas e cores
Enfeitam esta espera.
Espero...
As flores amarelas do Ipê
Espero...
A flor de Lis nascer.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ultrassom




Coração pulsando

                Cordão umbilical soando

                                          Vovó nascendo.


quinta-feira, 29 de maio de 2014

Ao poeta


Caro Drummond,   
       
Também gastei uma hora pensando um verso.

Sei que ele está cá dentro e não quer sair.

Meu outono é só silêncio.

Mas a poesia que o silêncio guarda,

já faz cócegas em mim.



segunda-feira, 12 de maio de 2014

Eme de mãe





Maria o teu nome principia na palma da minha mão...
Escutava-o cantarolar olhando com ternura para minha mãe.

Olhava também eu minha palma da mão e lá encontrava os traços finos de um eme de mamãe gravado em delicados sulcos.

Fazia coro com meu pai...”o teu nome principia na palma da minha mão...”
.
Ela tomava minhas mãos entre as suas, desenhava o contorno daquele eme com a ponta dos dedos e sorria. Depois, de mãos dadas com meu pai seguia ao som de seu canto.

 Eu ficava só. Tentava desenhar outras palavras com o eme de minha mão.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Cena da janela

                                                            

Tem uma janela no meio do caminho.

Através dela

uma paisagem no incômodo de meus olhos.

Uma casinha de lona preta.

Vida quase escondida,

quase nua,

espalhada pela calçada.

Aproximo o binóculo.

Devasso a pobreza.

Afasto o asco.

Vejo o cachorro

entrando e saindo da lona preta.

Dá voltas,

fareja inseguranças,

faz a ronda.

Pombos circulam migalhas.

O homem sai, amassa latinhas.

A mulher sai, sacode panos.

O homem entra, a mulher entra.

Ajusto o foco.

O cachorro late para mim.

Recuo.

Fecho a cortina.

Tem uma janela no meio do caminho.
                                                                                                                   


sábado, 26 de abril de 2014

Romeu e Julieta


  

No Mercado Central
Empilhados queijos redondos
Sobem Serras da Canastra
Enquanto goiabadas quadradas
Querem se deitar entre eles.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

De longe, de fora, de dentro daquela casa



Do restaurante via-se a parte dos fundos da casa. O muro de pedra,  visto de longe, suportava a parede branca circundada pela varanda. Também se avistava o quintal, a jabuticabeira e as flores. Tudo isto se destacava entre as casas que escorrem pelos morros na paisagem ondulada de Ouro Preto.

Cortava o ar o som das marchinhas de carnaval e o agitar dos braços dos foliões.

Quando entrei na casa, logo depois que a simpática senhora nos convidou para a visita, fui direto para o jardim- quintal. Pequenas flores enfeitavam os canteiros. Colhi algumas para (depois de secas) customizar meu caderno – abrigo da escrita- construído na oficina de verão.

 De súbito, o gato bichano Bishop, de um salto, abocanhou um lagarto que escalava o muro e o rasgou com dentes afiados.  Assustei-me com aquela cena inusitada onde um gato escancarava toda sua animalidade diante de meus olhos tão domesticados. Apressada, desvencilhei-me da agonia e corri para chupar umas jabuticabas doces e fora de época que amadureciam agarradinhas aos galhos da árvore.

Ali perto, mostrava-se imponente, o caldeirão onde Brushop – assim imaginávamos - fazia suas feitiçarias em caldos poéticos. Também os lírios, copos de leite, antúrios vermelhos e vegetação abundante se alastravam num convívio equilibrado e despretensioso.

Cortava o ar o som do riacho que despencava entre pedras, do outro lado da casa, em cadência meditativa.

Lá dentro meus companheiros de viagem observavam as camas, dosséis, quadros, objetos de decoração, retratos, escrivaninhas, armários...Para mim tudo meio morto, meio coisa...

Só o patinho de borracha amarelo na banheira Bishop nadava sua americanidade, alheio aos visitantes e freqüentadores do banheiro. Parecia vivo o estrangeiro em terras brasileiras. Parecia tão conterrâneo em terras estrangeiras. Teria sido assim com Elizabeth Bishop?

A pergunta ainda ressoa dentro de mim.




Márcia Sartorelo Carneiro

segunda-feira, 10 de março de 2014

Primeira casa





Minha primeira casa - os braços de minha mãe
os laços - tantos.
Minha primeira casa - nos traços de minha mão
os espaços - brancos.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O beco



O beco sem saída
é o beco da saída.