sábado, 27 de setembro de 2025

 

Cena I

 

Abro a janela

Uma paisagem no incômodo de meus olhos

Casinha de lona preta

Vida quase escondida

Quase nua

Espalhada pela calçada

Aproximo o binóculo

Devasso a pobreza

Afasto a repulsa

Vejo o cachorro que entra e sai da lona preta

Dá voltas

Fareja inseguranças

Faz a ronda

Pombos circulam migalhas

O homem sai, amassa latinhas

A mulher sai, sacode panos

O homem entra, a mulher entra

Ajusto o foco

O cachorro late para mim

Recuo.  Fecho a cortina.


Cena 2

Ouço choro de criança

A mãe empurra um naco de pão

“upa neguinho começando a andar...”

O olhar do menino me interroga

Que lhe podem ensinar?

Amassar latinhas feito o pai?

Fumar uma pedra de crack feito a mãe?

Nenhum rei para lhe visitar

Só estrelas de graça a olhar

São libertos, sem norte

Acorrentados à própria sorte

Os olhinhos negros insistem

Recuo. Fecho a cortina.

 

Marcia Sartorelo

17/102022

 

 

 

                                                                     

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